Manifestação
O Black Bloc e a resposta à violência policial
O Black Bloc não é uma organização e sim uma forma de
protesto estética baseada na depredação dos símbolos do estado e do
capitalismo
Manifestantes durante ação, na terça-feira 30, contra concessionária de carros de luxo em São Paulo
Durante o mês de junho as manifestações massivas
contra o aumento das tarifas fizeram emergir novas dinâmicas no cenário
político brasileiro, uma renovação da organização social que questiona
os limites legais do status quo. A inovação e o choque desse outono de
2013 aconteceram porque a desobediência civil - tática histórica de
movimentos contestatórios - teve uma aceitação popular jamais vista no
Brasil desde a proclamação da república (sempre é bom lembrar que a
proclamação da república foi uma quebra da institucionalidade).
Surgiram alternativas de luta, cada qual com suas táticas. A ação
direta não violenta das multidões veio em Porto Alegre no levante contra
o aumento das tarifas, reforçado pelo Movimento Passe Livre (MPL) de
São Paulo. Foram bloqueios de vias, abertura de catracas, escrachos
(denúncia públicas de pessoas acusadas de violações de direitos, como
ex-agentes da ditadura) e ocupações de prédios públicos.
São ações questionadoras da ordem que, em muitas ocasiões, despertam
resposta violenta da polícia e tentativas de criminalização por parte da
grande mídia. Ao mesmo tempo, essas ações se colocam diretamente contra
o Estado e os efeitos da exclusão econômica, partindo sem
intermediários para a disputa do modelo de sociedade.
Black Bloc. Paralelo a essa estratégia - e
independente do MPL e congêneres - se manifestou nesse período a tática
do Black Bloc, em grande parte como resposta à violência policial. O
Black Bloc é composto por pequenos grupos de afinidade, muitas vezes
feitos na hora, que atuam de forma independente dentro das
manifestações. Mas, ao contrário do MPL, o Black Bloc não é uma
organização ou coletivo e sim uma ideia, uma tática de autodefesa contra
a violência policial, além de forma de protesto estética baseada na
depredação dos símbolos do estado e do capitalismo. A dinâmica Black
Bloc lembra mais uma rede descentralizada como o Anonymous do que um
movimento orgânico e coeso.
Utilizada primeiramente pelos movimentos autonomistas da Itália e da
Alemanha, é muito presente na Europa e EUA, e mais recentemente nos
países árabes, mas nunca havia encontrado condições para se desenvolver
em solo brasileiro.
O primeiro sinal de propaganda Black Bloc no país ocorreu no início
dos anos 2000, durante o surgimento do movimento anticapitalista global
(antiglobalização), mas foi descartado pelos ativistas autônomos da
época por avaliarem a ação direta não violenta, manifestada
principalmente nos protestos contra a Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), estrategicamente melhor para o cenário brasileiro. Anos
depois essa opção pela ação direta não violenta combinada com trabalho
de base, organização horizontal e uso intensivo da internet influenciou a
criação do MPL e outros movimentos autônomos, como a Bicicletada, o
Centro de Mídia Independente e o Rizoma de Rádios Livres.
No entanto, a ideia do Black Bloc nunca morreu, manifestando-se em
escala menor e de forma bem isolada em manifestações anteriores. Nada
muito significativo ou mesmo duradouro, sendo impulsionado por elementos
anônimos que não deram continuidade à sua atuação. Mas a ideia estava
lá, sempre lá, e na primeira oportunidade se manifestava em algum canto
do País, geralmente como recurso para a autodefesa.
Violência policial e autodefesa. Em junho o cenário
de manifestações criou um ambiente favorável para o florescimento do
Black Bloc brasileiro na sua forma de autodefesa. Em diversas capitais
as mobilizações extrapolaram a capacidade organizativa dos grupos e
movimentos que as desencadearam, criando movimentos multicêntricos onde
cabem diversas estratégias, táticas e narrativas mobilizadoras. Como na
maioria das cidades esse crescimento veio pela solidariedade popular
pós-repressão, é coerente afirmar que a violência policial foi o
fermento da indignação que levou a população às ruas no auge das
jornadas de junho; e serviu como justificativa moral, segundo seus
defensores, para a disseminação descentralizada da tática Black Bloc.
Reações de autodefesa começaram a surgir no meio da massa de
manifestantes, de forma cada vez mais organizada. No Rio de Janeiro,
devido à intensidade da repressão e às condições geográficas e sociais
da cidade, que aproximam bairro e favela, jovem de classe média e jovem
da periferia, a intensidade da repressão policial e da resposta dos
manifestantes foi maior.
Apoio aos irmãos cariocas. Recentemente, na
sexta-feira 26 de julho, houve um ato na avenida Paulista denominado
"Ato em apoio aos irmãos cariocas versão sem pelegos". Esse ato pode ser
considerado um ponto de virada na narrativa do Black Bloc brasileiro.
Pela primeira vez a ideia e a tática se manifestaram em sua plenitude na
forma da manifestação direcionada para a destruição de propriedades
privadas e públicas. Cerca de 300 pessoas percorreram o trajeto do Masp
até a 23 de Maio destruindo bancos, bases policiais e veículos da mídia
hegemônica. A polícia acompanhou a movimentação de longe, alegando
esperar o reforço da Força Tática para iniciar a dispersão do ato.
Na terça-feira 30, o ato chamado pelo Facebook, reuniu manifestantes
contrários ao governador paulista, Geraldo Alckmin, e ao governo de
Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro. Alguns manifestantes picharam
paredes, quebraram o vidro de uma concessionária e de agências bancárias
na região. A Força Tática e a tropa de Choque da Polícia Militar
seguiram atrás dos manifestantes.
A retomada da polícia já havia sido prometida na página da Secretaria
de Segurança Pública na internet, com o órgão dizendo que a PM agiria
“com a energia necessária para evitar atos criminosos,” após agências
bancárias e bases policiais terem sido danificadas na avenida Paulista
na última sexta-feira. Com a ação de 220 oficiais, segundo a
própria corporação, foram detidos 20 manifestantes. Destes, cinco ainda
continuam presos por suspeita de formação de quadrilha, resistência à
prisão, desacato e dano ao patrimônio público.
Os protestos recentes e especificamente as manifestações Black
Bloc têm sido usados como pretexto para pautar soluções repressoras. A
mídia tem feito o trabalho de recortar as imagens de depredação e
confronto sem o mínimo de contextualização, imprimindo a narrativa que
melhor lhe convém, e muitas vezes criminalizando pessoas não envolvidas
nos confrontos. Do outro lado, iniciativas midialivristas e os demais
veículos de esquerda têm trazido outros pontos de vista sobre a questão,
forçando uma pequena mudança na linha editorial dos meios hegemônicos
como demonstrou o caso do ativista carioca Bruno, incriminado
injustamente de ter atirado molotovs na polícia.
Vale nos questionarmos como o Black Bloc vai impactar na
disputa de imaginário da sociedade e como o estado e os demais
movimentos vão lidar com essa novidade política. Com a expansão dessa
tática será possível realizar novas ações diretas não violentas de
multidão, convocadas pela internet, sem essas terminarem,
necessariamente, em confronto físico?
Como diferenciar o Black Bloc do agente provocador infiltrado, que
está na manifestação apenas para criar fatos que justifiquem a
repressão? A suspeita sobre os P2 levanta outra questão: até que ponto a
violência por parte dos manifestantes serve aos interesses de
determinado governo?
Cada caso é um caso, e só nos resta avaliar cada conjuntura com
lucidez, a fim de que não sejamos levados a tomar opinião direcionados
por interesses ocultos. Formação política, clareza dos objetivos e
capacidade de análise de conjuntura serão dos fatores determinantes para
o futuro da ação direta urbana no Brasil, seja ela violenta ou não
violenta.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade
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