Após chacinas com 26 mortos, violência policial no Brasil pode ser julgada pela 1ª vez por Corte da OEA
A Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos
Estados Americanos) pode julgar pela primeira vez casos de violência
policial no Brasil. Duas operações de repressão ao tráfico de drogas
ocorridas em 1994 e 1995 na comunidade Nova Brasília, no Complexo do
Alemão, no Rio de Janeiro, resultaram em chacinas com 13 mortos cada
uma. O resultado da análise da Comissão de Direitos Humanos da OEA será
anunciado nesta sexta-feira (19), em Washington (EUA).
Ambos os casos acabaram arquivados sem que os responsáveis pelas
chacinas fossem sequer indiciados, mas, após denúncias das ONGs
Cejil-Brasil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e Human
Rights Watch, a OEA fez recomendações ao governo brasileiro, que teve
até 19 de junho para apresentar medidas. Se a comissão entender hoje que
a apuração dos fatos e as providências tomadas a fim de coibir a
violência policial não foram satisfatórias, o caso será encaminhado à
Corte.
A Corte não pode obrigar o país a cumprir as sentenças, nem puni-lo por
descumprimento --seu poder é muito mais de constranger o país
internacionalmente por violação dos direitos humanos.
26.mai.2013
- Corredores que se preparavam para a terceira edição da corrida
Desafio da Paz, no Alemão, se assustaram na manhã deste domingo com pelo
menos dois tiroteios na Vila Cruzeiro, por volta das 7h40min. Quem
estava na Rua José Rucas, onde seria a largada da corrida, teve que se
proteger dos tiros debaixo dos carros. Não há informações de feridos
O desarquivamento dos inquéritos só foi determinado pelo MP-RJ
(Ministério Público do Rio de Janeiro) após as recomendações da OEA, que
em 2012 encaminhou um relatório de 70 páginas ao governo brasileiro a
partir do contato feito pelas ONGs, que denunciaram violações a diversos
artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos. O relatório
responsabilizou o Brasil pelas mortes, tidas como resultado de uso
excessivo da força, bem como pelos atos de violência sexual, e criticou a
"impunidade duradoura" dos responsáveis. "Alega-se que os agentes do
Estado, policiais do Rio de Janeiro, perpetraram execuções e abuso
sexuais durante as operações ocorridas em 18 de outubro de 1994 e 8 de
maio de 1995", diz o relatório.
O caso da chacina de 1994 foi arquivado em 2009 e reaberto em março de
2013, de acordo com o procurador Antonio Carlos Biscaia, representante
do MP-RJ em reuniões sobre o caso na OEA. Com o retorno das
investigações, a denúncia contra os seis policiais (dois PMs e quatro
policiais civis) envolvidos nos crimes foi oficializada em maio --cada um dos acusados foi denunciado 13 vezes por homicídio duplamente qualificado.
"A primeira chacina tem violência sexual contra várias jovens. As provas são mais que evidentes", afirma Biscaia.
"Não entendemos por que o caso foi arquivado. Houve até reconhecimento
de policiais que cometeram os abusos. O que aconteceu foi uma
barbaridade. Pediram novas diligências, e a coisa se arrastou, não
caminhou", continuou o procurador, que assumiu a chefia da assessoria
criminal do MP-RJ em fevereiro deste ano. Em relação às mortes, Biscaia
afirma que muitas ocorreram depois que os suspeitos já estavam inclusive
algemados. "Isso está comprovado nos autos. Essas vítimas foram presas.
Isso é homicídio."
A chacina de 1995 --arquivada em 2007 e reaberta em 2012-- ainda não
tem nenhum indiciado. "Faltam perícias e laudos. Tudo isso podia ter
sido feito 15 anos atrás. Fizemos agora o que foi possível. O importante
é que os dois casos estão em andamento: o primeiro, com denúncia e
processo criminal; o segundo, com diligências. Não há inércia do MP",
afirma Biscaia.
Fim do "auto de resistência"
Além do indiciamento dos responsáveis, a OEA solicitou ao governo
brasileiro mudanças na forma de atuação da polícia e indenização às
famílias das vítimas. A SDH (Secretaria de Direitos Humanos) da
Presidência da República informou que, como resposta, editou, em
novembro de 2012, a Resolução 8 do Conselho de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana, que determina a abolição dos termos "auto de resistência"
e "resistência seguida de morte" em registros policiais, boletins de
ocorrência e inquéritos policiais.
DECLÍNIO
-
1.330 - mortes por auto de resistência em 2007
-
1.137 - mortes por auto de resistência em 2008
-
1.049 - mortes por auto de resistência em 2009
-
855 - mortes por auto de resistência em 2010
-
523 - mortes por auto de resistência em 2011
De acordo com a resolução, qualquer morte que antes era caracterizada
como auto de resistência deve passar a ser registrada como "lesão
corporal decorrente de intervenção policial" ou "homicídio decorrente de
intervenção policial".
De acordo com a SDH, com a medida, a investigação dessas mortes passa a
exigir os mesmos procedimentos de qualquer homicídio. "A Resolução tem
por intuito enfrentar a cultura de se conferir legitimidade apriorística
aos óbitos decorrentes de ações policiais", afirmou a secretaria. No
Estado do Rio, o texto resultou na Portaria 617 da Polícia Civil, de 10
de janeiro de 2013, que determina o fim da expressão "auto de
resistência". Segundo a SDH, a resolução também foi adotada na íntegra
pelo Amazonas e, em parte, por São Paulo, Pernambuco e Paraíba.
Quanto ao pagamento de indenizações, a SDH informou que o governo ainda
não indenizou as famílias, mas que negociações com o Estado do Rio
estão em curso. "A Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro ainda
está analisando a matéria e deverá se manifestar em breve sobre o
pagamento das indenizações", afirma a secretaria.
O Brasil na Corte
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil já figurou
como réu na Corte em ao menos seis ocasiões, mas nenhum dos processos
envolve violência policial. Dois dos casos dizem respeito a violação dos
direitos humanos no sistema prisional --Unidade de Internação
Socioeducativa de Cariacica (ES) e Penitenciária Urso Branco, de Porto
velho (RO)--; outro à morte do trabalhador sem-terra Sétimo Garibaldi,
em 1998; a interceptações ilegais de linhas telefônicas de membros do
MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), em 1999; e à morte de
Damião Ximenes Lopes em uma clínica psiquiátrica de Sobral (CE), em
1999.
O caso da Guerrilha do Araguaia também chegou à Corte da OEA, que em
2010 condenou o Brasil a indenizar as famílias das vítimas e punir os
responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas. A responsabilização,
porém, ainda não aconteceu, fato que levou a OAB a cobrar providências do governo na semana passada.
A violência doméstica sofrida pela biofarmacêutica Maria da Penha Maia,
que em 1983 ficou paraplégica após duas tentativas de homicídio
executadas pelo marido Marco Antonio Heredia, foi analisada pela
comissão da OEA, mas o processo não chegou a ser encaminhado para a
Corte. Mesmo assim o caso deu origem à lei 11.340, de 2006, que ficou
conhecida como Lei Maria da Penha, considerada um avanço na proteção da
mulher vítima de violência doméstica e familiar.
"O caso da Guerrilha do Araguaia também chegou à Corte da OEA, que em 2010 condenou o Brasil a indenizar as famílias das vítimas e punir os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas. A responsabilização, porém, ainda não aconteceu, fato que levou a OAB a cobrar providências do governo na semana passada."
ResponderExcluirSó uma correção: as famílias já haviam sido indenizadas. A responsabilização esbarra na interpretação do STF de que a Lei da Anistia valeria para 'ambos os lados' (o que é um grande erro, a meu ver).