Política
Investigação
Farra no Rodoanel
O Ministério Público apura fraudes milionárias nas desapropriações do trecho sul da obra
por Henrique Beirangê
Robson Fernandjes/Estadão Conteúdo
Paulo Preto, ex-diretor da Dersa, é acusado de fraude
Durante as eleições de 2010, um nome até então desconhecido ganhou notoriedade por conta de um debate entre os candidatos Dilma Rousseff e José Serra. Na ocasião, a petista perguntou ao tucano sobre sua relação com Paulo Vieira de Souza, vulgo Paulo Preto.
Dilma queria saber a respeito de um suposto
desaparecimento de 4 milhões de reais da campanha de Serra por obra do
correligionário.
Serra “tergiversou”, nas palavras de
Dilma. Primeiro disse que não conhecia Souza. Depois valeu-se de um
contra-ataque pífio: acusou a adversária de racismo por chamá-lo de Paulo Preto no debate.
O próprio Paulo Preto parece ter se incomodado menos com a menção a seu apelido do que com o descaso de Serra. Em entrevista à Folha de S.Paulo, fez uma ameaça velada. “Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam esse erro.”
Cinco anos depois, Souza volta aos
holofotes por conta de uma investigação do Ministério Público de São
Paulo. Seu nome é vinculado pelos promotores a uma farra de
desapropriações realizada durante as obras do Trecho Sul do Rodoanel em São Paulo.
A obra viária tem 61,4 quilômetros de
extensão e custo total de 5 bilhões de reais. Liga Mauá, no ABC
paulista, ao Trecho Oeste do anel viário e corta Anchieta e Imigrantes,
rumo ao litoral sul.
Um empreendimento grandioso
inaugurado com glória e pompa, mas que não teve os bastidores de sua
construção até então revelado. Para se concluírem as obras, cerca de 40
mil habitantes tiveram de ser removidos de suas
casas. Documentos anexados à investigação mostram que os
reassentamentos e indenizações custaram cerca de 90 milhões de reais. A
Dersa, empresa pública responsável pelo gerenciamento de obras viárias,
deu início a um programa de realocação desses moradores em unidades da
CDHU. Foram contratados dois consórcios para gerenciar os
cadastramentos.
Durante as fiscalizações, ao inspecionar a
regularidade de pagamento aos beneficiários, um funcionário da Dersa
identificou que Mércia Ferreira Gomes, uma das responsáveis pelo
programa, teria incluído ilegalmente nomes de familiares entre os
indenizados. Ao descobrir que o servidor identificara as fraudes, Mércia
teria dito. “Melhor esquecer tudo. Você não tem ideia do tamanho
disso.”
Em depoimento ao Ministério Público, o funcionário disse
ter se tornado vítima de perseguições após descobrir as irregularidades.
O assédio o teria levado a pedir demissão.
Uma auditoria da
própria Dersa apontou que cerca de 800 mil reais teriam sido pagos
irregularmente a pessoas próximas de Mércia. Convocada a depor no MP, a
funcionária disse ser o bode expiatório de um esquema muito maior.
Segundo ela, quem tinha muito a esclarecer seria o diretor
de engenharia da Dersa: Paulo Preto. Seriam listas e mais listas de
indivíduos que nunca moraram nas regiões afetadas, afirmou. Enviavam a
seu setor para serem incluídos nos benefícios.
Algumas famílias chegavam a receber a indenização duas ou
três vezes. Ao menos 500 cidadãos teriam recebido os pagamentos mais de
uma vez. Tudo autorizado por Paulo Preto. Como prova do envolvimento do
superior, Mércia afirmou que a babá, a filha dela e outras empregadas do
diretor da Dersa foram incluídas na lista.
Em um dos depoimentos, uma babá que
trabalhou para uma filha de Paulo Preto contou que a patroa a orientou a
se dirigir a um conjunto habitacional onde eram feitos os
cadastramentos. Lá, entregou os documentos e foi incluída no programa
sem nunca ter morado na área a ser desapropriada. Acabou presenteada com
um imóvel da CDHU, que cerca de um ano depois vendeu por 80 mil reais.
Outros nomes ligados a políticos também teriam participado
da organização das listas frias. Segundo Mércia, um funcionário de nome
Hamilton Clemente Alves se apresentava como assessor da deputada
estadual Vanessa Damo (PMDB), da vereadora paulistana Juliana Cardoso
(PT) e do ex-deputado estadual Adriano Diogo (PT).
Ainda segundo Mércia, as listagens encaminhadas pelo
assessor chegavam por e-mail e muitos dos beneficiários tinham CPF
suspenso, pendente ou eram foragidos da Justiça. Dessas listas foram
pagas quantias individuais que variavam entre 1,6 mil até 11 mil reais
por CPF em auxílio aluguel.
A depoente conta que após uma reunião entre Paulo Preto e
Alves, o diretor da Dersa deixou claro: “Pague todas as pessoas
indicadas por Hamilton”. Pagamentos, segundo ela, muitas vezes feito em
dinheiro vivo.
Em parte, era sacado em
uma conta do Banco do Brasil e transportado em mochilas até os
beneficiários. Algumas pessoas que receberam o dinheiro seriam ligadas a
facções criminosas e chegariam aos locais armados para apanhar a
quantia.
A festa com dinheiro público envolveu outra assessora
parlamentar. No depoimento, Mércia conta que Cristiane Zaiatz Monteiro
recebeu mais de 100 mil reais, embora não fizesse jus à indenização.
Cristiane, dizem os promotores, se apresentaria como assessora da
deputada Vanessa Damo.
No inquérito, há fotos que mostram a
vereadora Juliana Cardoso, Clemente Alves e o deputado Adriano Diogo no
local do qual as famílias foram removidas. A investigação possui oito
apensos e inclui trocas de e-mails, que são apurados. Um relatório
detalhado com as supostas fraudes também foi elaborado pela Dersa.
No âmbito criminal, Paulo Preto deve ser ouvido na próxima
semana. A investigação apura indícios de falsidade ideológica, desvios
de dinheiro público e quadrilha.
Em relação à inclusão de nomes de seus familiares, Mércia
se defende. Muitos CPFs foram colocados aleatoriamente no sistema para
gerarem créditos de pagamentos. Entre esses, os de sua mãe e irmã. Ela
nega ter se apropriado dos repasses. A manipulação dos dados fazia parte
de um esquema contábil, afirma Mércia.
Como os valores eram reservados por trecho, o crédito
gerado era separado em espécie e ficava guardado em um cofre na Dersa
para pagamentos de outros supostos beneficiários em outros trechos.
- O inquérito aponta gastos de 90 milhões de reais com as desapropriações / Milton Michida/Gov. do Estado de SP
Na auditoria realizada pela Dersa, os nomes de
familiares e conhecidos de Mércia aparecem em uma tabela. Logo abaixo,
Paulo Preto figura entre os diretores responsáveis pela aprovação.
Mércia afirmou sentir-se intimidada pelo ex-diretor da
Dersa e por isso teria mantido segredo sobre o esquema. Seu chefe
imediato, José Geraldo, teria dito, segundo ela, que tudo era de
conhecimento de Paulo Preto.
O ex-diretor da Dersa se valia de um velho bordão: “Manda
quem pode. Obedece quem tem juízo”. Após a auditoria da empresa pública,
Mércia acabou desligada da companhia no início deste ano.
Quando Alberto Goldman substituiu José Serra, candidato à
Presidência em 2010, chegou a dizer que o diretor era “incontrolável,
arrogante e vaidoso”. Paulo Preto apareceu nos relatórios da Operação
Castelo de Areia. Manuscritos revelariam quatro pagamentos de 416 mil
reais da Camargo Corrêa por conta das obras do Rodoanel.
O ex-diretor da Dersa também se envolveu em outra polêmica
em 2010. Ao chegar com um amigo em uma joalheria para avaliar o preço
de um bracelete, acabaram presos. A joia foi furtada da mesma loja
algumas semanas antes.
Paulo Preto, à época, disse ter
ido ao local com o amigo para avaliar a joia antes de comprá-la. Já o
amigo, o comerciante Musab Fatayer, alegou ter adquirido o bracelete de
um desconhecido.
O inquérito sobre a Dersa está a cargo dos promotores
Otávio Garcia, Augusto Rossini e Cássio Conserino. O MP quer saber de
Paulo Preto como todo esse dinheiro foi movimentado.
A reportagem entrou em contato com um advogado do
ex-diretor da Dersa, mas foi informado de que não poderiam se
manifestar, pois não teriam tomado conhecimento do inquérito.
Alves, que trabalha atualmente como assessor do vereador
Alessandro Guedes, do PT, disse que nunca mandou qualquer lista para a
delatora e negou ter participação no suposto esquema.
Alves também nega ter se identificado
como assessor de qualquer político e afirma ser um histórico opositor
das administrações tucanas em São Paulo, não tendo nenhum contato com
Paulo Preto. “Tudo teve critério. Não teve nenhuma intervenção minha.”
A vereadora Juliana Cardoso sustenta que
não atuou nas desapropriações do Trecho Sul. Alves, diz, não era seu
assessor, mas um militante da região. A parlamentar nega ter solicitado a
inclusão de nome nas listagens de indenizações.
O ex-deputado Adriano Diogo afirmou que
Alves não trabalha com ele há pelo menos dez anos e que não tem mais
nenhuma ligação com o assessor. Igualmente nega ter solicitado a
inclusão de nomes na lista. “Nem fui ouvido nessa investigação. Hamilton
é uma pessoa muito proba e honesta. É isso que eu sei dele.”
A assessoria da deputada estadual Vanessa Damo informou
que Alves e Cristiane Zaiatz Monteiro nunca foram seus assessores.
Mércia foi procurada pela reportagem para comentar as denúncias, mas não
foi localizada.
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