Sociedade
USP
"Violência na USP não é questão de 'fora PM'"
A antropóloga Ana Lúcia Pastore, nova superintendente
de segurança da universidade, promete uma gestão com mais diálogo,
inclusive com a Polícia Militar
por Mariana Melo
“Qual a melhor forma de nos
relacionarmos com a PM sem que nós nos sintamos acuados como cidadãos?"
falou a antropóloga à CartaCapital
Quem frequenta qualquer um dos campi da Universidade
de São Paulo (USP) já ouviu falar ou foi vítima de situações de
violência. Em um universo com mais de 110 mil pessoas espalhadas pelos
sete campi, são 400 guardas universitários, sendo 100 desses deslocados
para o campus que fica no bairro do Butantã, em São Paulo. Esse efetivo
parece não dar conta. São comuns os relatos de roubos, furtos e até
sequestros. De janeiro a abril deste ano, segundo dados da própria
instituição, foram 94 ocorrências de furtos e 31 ocorrências de
roubos. Os alunos são obrigados a adotar estratégias como andar em
grupos para ir ao banco ou aos pontos de ônibus, numa universidade ainda
mal iluminada.
Junta-se a isso a desconfiança que se formou na relação da
Polícia Militar com parte dos alunos. A PM, que em 2011, com o
assassinato do aluno Felipe de Paiva, 24 anos, chegou a estabelecer uma
base móvel próxima da Portaria 1, já não atua mais no campus, pelo menos
no sentido de promover a segurança da comunidade uspiana.
Neste cenário, o atual reitor, Mario Antonio Zago, tomou
uma medida que pode ser vista como uma tentativa de aproximar sua gestão
dos anseios da comunidade acadêmica, principalmente dos alunos. Para o
cargo de chefe da Superintendência de Segurança da universidade, antes
ocupado pelo policial militar reformado Luiz de Castro Júnior, Zago
convidou a antropóloga Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, de 50 anos,
professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e
pesquisadora do Núcleo de Estudos de Violência (NEV).
A mudança parece sugerir que a
questão da segurança
nos campi será tratada de uma maneira diferente agora. “O que é muito
importante divulgar para comunidade é que havia uma gestão extremamente
centralizada na figura do superintendente e dos seus três, quatro
assessores, todos coronéis”, diz Ana. Formada em Direito e Ciências
Sociais, com mestrado e doutorado em Antropologia Social, ela quer mudar
a filosofia da segurança na universidade. “Esta mudança de concepção de
estrutura organizacional é que eu estou enfatizando neste momento”,
afirma.
Para isso, Pastore está realizando reuniões e
formando um Grupo de Trabalho (GT) Interno que, futuramente, constituirá
um Conselho Deliberativo da Superintendência. “Esse GT teria o poder de
pautar questões de forma colegiada e a figura do superintendente, hoje
ocupada por mim, seria a figura de presidente deste conselho.”
A participação da comunidade acadêmica nas decisões
da superintendência se dará na forma de um Grupo de Trabalho Externo,
futuramente, um Conselho Consultivo. Esse conselho, segundo Ana, será
formado por representantes discentes, docentes e funcionários.
“Iniciativas que eram boas, antes, causavam estranhamento porque não
eram consultadas. A presença da PM no campus foi uma decisão totalmente
de cima pra baixo e isso será revisto, inclusive com pesquisas.”
Polícia na USP A
antropóloga defende a permanência da PM no campus como um direito
constitucional e aponta que, devido à deterioração da relação dos
policiais com os alunos, a PM já se encontra ausente do campus. Segundo
ela, é dado um protagonismo exacerbado a isso quando se discute
segurança na USP e isso, por si só, já cria um problema. “A PM é uma
interlocutora da questão da segurança e não pode ser desprezada. Ela tem
um papel constitucional, que não pode ser substituído, como lavrar um
BO, fazer perícia em local de crime. Há funções constitucionais legais
da polícia que não podem ser substituídas pela vontade, ainda que
representativa, de uma comunidade acadêmica.”
Pastore sugere que a convivência entre polícia e
comunidade USP pode ser tranquila se houver diálogo. “A questão é: qual a
melhor forma de nos relacionarmos com a PM sem que eles se sintam
acuados e sem que nós nos sintamos acuados como cidadãos? E acho que a
USP tem um protagonismo não só de pensar melhor em polícia para o
campus, mas sim, uma melhor polícia para os cidadãos. Há uma massa
crítica aqui pensando nisso há muito tempo. Não sou favorável ao slogan
‘Fora PM do Campus’, sou à favor do slogan ‘Que polícia militar
desejamos pra dialogar nas questões que a ela compete no campus’.”
Ainda sobre a polícia, Ana promete esforços para que
os conflitos dentro da USP não exijam intervenções da polícia. “Vamos
esgotar todas as possibilidade de diálogo diante de qualquer conflito e
investir em instâncias de mediação. Que não seja repressivas, mas
construtoras de consensos. Agora, existem grupos que não querem
dialogar. Você vai fazer o que? Sucumbir à força ao eventual desrespeito
às liberdade individuais, ao patrimônio? Esgotadas todas as vias de
diálogo, e aqui acho que há muitas, realmente será preciso tomar
atitudes até para não cair no desrespeito ao que a própria Constituição
prevê, porque qualquer dirigente que deixa o patrimônio ser depredado
está sujeito a processos administrativos, de improbidade.”
Corte de InvestimentosA nova superintendente afirmou, também em sua entrevista à CartaCapital, que o corte de orçamento e
as dificuldades financeiras da USP devido à má gestão do reitor João
Grandino Rodas não irão afetar os necessários investimentos em
segurança. “Foi me dada liberdade de pautar junto à reitoria o que for
considerado prioritário para segurança. Inclusive a iluminação, que está
em andamento, e outras questões ligadas ao acesso, às guaritas, às
viaturas, mas como tudo isso estava muito travado aqui dentro,
infelizmente, da noite pro dia não vai ser possível criar uma situação
milagrosa.”
Quanto aos problemas de violência nos campi, sempre
urgentes, Ana disse estar se preparando e tomando atitudes mais
imediatas. “Eu leio diariamente um boletim interno da superintendência
que já me deu uma noção de que o maior problema aqui são furtos e
roubos. Nós estamos tentando direcionar as rondas pra esses pontos.
Recebemos demandas da ouvidoria e sempre que algum setor da universidade
diz “aqui está muito fragilizado” o operacional é informado para que
atue ali com rondas constantes e ostensivas. São medidas emergenciais.”
Ana também pensou em uma campanha para evitar um
“comportamento de risco” em relação aos assaltos. “Quando a gente
estaciona em qualquer lugar de São Paulo a gente não olha o que deixou
dentro do carro? Por que dentro da USP seria diferente? Acho que as
pessoas não se dão conta de que a USP não é uma ilha, nem pro bem e nem
pro mal.”
A escolha por uma antropóloga no lugar de um
policial militar tem um importante valor simbólico, segundo a
professora. “O Zago depositou em mim a esperança de um novo momento, não
só em relação à gestão dele, mas à gestão de segurança. Quando ele
escolheu uma mulher, antropóloga, com uma abertura interdisciplinar,
acho que podemos colocar na opinião dele a questão da segurança num rol
muito mais amplo de debate do que a questão da polícia. Acho que é essa a
expectativa, e que não vinha sendo suprida.”
Fonte: http://www.cartacapital.com.br
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