O que ameaça os tucanos
O escândalo sobre trilhos, a crise da água em São
Paulo e o passado de Pimenta da Veiga em Minas turvam as perspectivas do
PSDB
por André Barrocal
No primaveril domingo de 5 de outubro, 140
milhões de brasileiros estarão aptos a ir às urnas. Um a cada três vai
votar em São Paulo ou em Minas, as maiores massas eleitorais do País.
São estados sob controle do PSDB há longo tempo, fato aparentemente
destinado a garantir a sobrevivência do partido e a sustenta-lo como
principal força anti-PT. Mas a vida do tucanato em seus bastiões já foi
mais fácil. Às vésperas da campanha, seus postulantes aos governos
locais estão enrolados em acontecimentos do presente e do passado que
exigirão um bocado de esforço verbal e propagandístico para não
contaminarem o humor do eleitorado.
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin, candidato à reeleição, já
administrava o escândalo do desvio de verba em obras de trem e metrô,
caso em exame na Justiça e na mira de uma tentativa de CPI no Congresso,
e agora tem de lidar com o fantasma de um racionamento de água. Tudo
isso perante um eleitor que dá sinais de cansaço com 20 anos de gestão
do PSDB. Em Minas, o pré-candidato Pimenta da Veiga, resgatado da
aposentadoria pelo presidenciável Aécio Neves, tem de explicar à Polícia
Federal um antigo negócio com o hoje presidiário Marcos Valério,
episódio a alimentar boatos de que a candidatura poderia ser abortada.
A crise na água, decorrente do baixo nível dos
reservatórios no coração do sistema de abastecimento de São Paulo, virou
um drama para Alckmin. O estado anunciará nos próximos dias um plano
para conter o consumo e tentar diminuir o risco de
ter de impor cortes
de fornecimento à população. O morador que gastar acima de certa cota,
calculada pela média de consumo passado, será multado. É uma medida
adicional a uma adotada em fevereiro, que ofereceu desconto a quem
economizasse. A premiação não atingiu o que se esperava. Após entrar em
vigor, 35% dos oito milhões de pessoas atendidas pelo sistema Cantareira
ampliaram o consumo. Em meio período de poucas chuvas em São Paulo
nesta época do ano, a situação fica dia a dia mais delicada. Na
quarta-feira 30, registrou-se o pior nível de reserva do sistema, abaixo
de 11%. Estatal paulista de água e esgoto, a Sabesp estima que em algum
momento entre junho e julho as represas da Cantareira vão secar.
A empresa gastou 80 milhões de reais com bombas especiais para captar
água das profundezas do reservatório. O uso do chamado “volume morto”
preocupa a Agência Nacional de Águas, pois jamais foi testado em consumo
humano. O encarregado por Alckmin de domar a crise, Mauro Arce,
nomeado secretário de Abastecimento e Recursos Hídricos em abril, é
experimentado nesse tipo de problema. Ele era secretário de Energia de
São Paulo durante o racionamento elétrico do fim do governo Fernando
Henrique, praticado em 2001 e 2002. Dar desconto a quem poupa e punir
quem gasta acima de certa cota foram medidas do “apagão”. Quem
extrapolava a cota também tinha a luz cortada por alguns dias, hipótese
que, no caso da água e às vésperas de uma eleição, provoca arrepios no
Palácio dos Bandeirantes.
A palavra “racionamento” virou um tabu para as
autoridades paulistas. Tem sido evitada a todo custo. Na segunda-feira
28, um secretário particular de Alckmin recebeu por e-mail carta enviada
ao governador pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
na qual a entidade cobra que o governo decrete, e reconheça
oficialmente, que há racionamento. Só assim haveria amparo legal para
cobrar multa por gasto com água. Os juristas do governo quebram a cabeça
em busca de uma solução que libere Alckmin do decreto e da palavra
maldita. O debate sobre as causas da crise de água também lembra o
“apagão”. Agora, como antes, as autoridades tucanas culpam São Pedro:
teriam faltado as costumeiras chuvas para suprir de água as
hidrelétricas de FHC e a Cantareira de Alckmin. Já para alguns
especialistas, agora, como antes, o que falta é planejamento e
competência.
Ao site de CartaCapital, o engenheiro de recursos hídricos Marco
Palermo, da Universidade de São Paulo, disse que há duas décadas estudos
apontam o colapso do Sistema Cantareira e o risco de um rodízio
permanente de água, por ausência de investimentos. Promotores de Justiça
estão investigando se houve gestão temerária na Sabesp. A ameaça de
faltar água para um quinto da população paulista e a cobrança de multas
indicam uma dura eleição para Alckmin, pois já há certo desejo de
mudança no ar, diz Renato Meirelles, diretor do Data Popular. Pesquisas
do instituto mostram que o eleitor sente que São Paulo deixou de ser a
“locomotiva” do País e está “com a roda presa”. Em uma década, a
economia local de fato perdeu espaço. De 2002 a 2011, seu peso no PIB
brasileiro caiu de 34% para 32%. A renda per capita estadual subiu menos
do que a nacional. “O PSDB já está há 20 anos no governo e não tem como
ser convincente sobre novidades, mudanças futuras”, afirma Meirelles.
Para o presidente do PSDB paulista, deputado
federal Duarte Nogueira, o tema “água” não terá impacto decisivo na
campanha. O risco de racionamento, diz, inexiste, pois logo a Sabesp
botará em operação as bombas que captarão água do “volume morto”. Além
disso, o número de eleitores que podem ser atingidos com multas por uso
excessivo de água seria insuficiente para desequilibrar a disputa. “É
uma medida impopular que ninguém gosta de tomar, mas é uma medida
responsável. Isso dará ainda mais credibilidade ao governador”, afirma.
“Credibilidade” é no que o mineiro Pimenta da Veiga agarra-se para
permanecer como a esperança do PSDB de seguir à frente do estado que
comanda há 11 anos. O tucano é alvo de um inquérito da Polícia Federal
interessado em saber por que ele recebeu, em 2003, um total de 300 mil
reais de agências de publicidade de Marcos Valério, condenado a 37 anos
de cadeia no “mensalão” do PT. A defesa de Pimenta baseia-se na
“palavra”.
O tucano diz que prestou uma consultoria advocatícia verbal a
Valério. Por isso é que não há um parecer escrito a comprovar a
alegação. O pagamento foi descoberto pela polícia durante investigações
sobre Valério, cuja conclusão ficou fora dos processos do mensalão
tucano em Minas e do valerioduto petista. O caso de Pimenta foi reaberto
no ano passado pela PF, onde há quem acredite que o episódio não ficou
bem explicado. A dúvida é se ele teria sido beneficiado por algum
esquema de desvio de verba pública que fazia o dinheiro chegar a
políticos via Valério e suas empresas.
Em março, Pimenta prestou novo depoimento à PF, que o indiciou por lavagem de dinheiro. A
retomada das investigações abalou Pimenta. Há duas semanas, em um giro
pelo estado a expor-se como candidato, ele fazia um discurso para
empresários e chorou ao tocar no assunto. A notícia também agitou os
bastidores da política mineira e alimentou rumores sobre a troca do
candidato do PSDB. Ao examinar os impactos do caso, Aécio e seus aliados
entendem que, nas atuais circunstâncias, ainda é possível vencer com
Pimenta no páreo. “A candidatura dele é irreversível. O que há contra
ele é requentado e explicável”, diz o presidente do PSDB de Minas,
deputado federal Marcus Pestana.
Insistir com Pimenta mostra certa debilidade do
tucanato mineiro, apesar dos três governos sucessivos da sigla no
estado, na avaliação de Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi. O PSDB,
diz, não tem outros nomes que naturalmente pudessem herdar a vaga. A
própria seleção de Pimenta, político que tinha se retirado da vida
pública há mais de dez anos, já apontava um cenário eleitoral complicado
para o grupo do senador Aécio Neves. “Os vínculos do Pimenta com o
Aécio e os últimos governos de Minas são pequenos. Há possibilidade real
de derrota do PSDB”, afirma. Obcecado com o desejo de voltar ao
Palácio do Planalto, o PSDB tem motivos de sobra para não se descuidar
da retaguarda em seus domínios regionais.
Fonte: cartacapital.com.br
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