Trapalhada ninja
Enquanto a polícia de Alckmin prendia professores e representantes de movimentos sociais, os black blocs quebravam a cidade. O que explica um erro tão grosseiro?
Alan Rodrigues (alan@istoe.com.br)
Passava das 19h30 do sábado 22 quando
cerca 30 black blocs dispararam pelas ruas do centro da capital
paulista. Como fizeram em outras ocasiões, eles quebraram agências
bancárias (foram duas desta vez) e equipamentos públicos que encontravam
pela frente. Enquanto isso, os 2,3 mil policiais designados para
acompanhar mais um dos protestos contra a Copa do Mundo se dirigiram a
outro grupo de manifestantes. Os PMs cercaram uma turma formada em sua
maioria por professores, estudantes, jornalistas e representantes de
movimentos sociais – todos eles pouco afeitos a táticas agressivas como a
dos black blocs. Apesar de não representarem, a princípio, qualquer
tipo de ameaça para a sociedade, os manifestantes tiveram que enfrentar a
fúria dos policiais. Segundo a contagem oficial, 262 pessoas foram
presas. A ação absurda da PM se revelou mais despropositada ainda diante
da liberdade oferecida aos black blocs. Talvez no mesmo instante em que
um professor foi esganado por um policial, algum black bloc jogou uma
pedra contra um banco. “Em um só dia, a PM atacou o direito de as
pessoas se reunirem, a liberdade de expressão e a integridade física de
quem protestou”, diz Brenno Tardelli, representante do Coletivo
Advogados Ativistas, uma entidade que defende os manifestantes
gratuitamente.
A polícia do governador Alckmin em ação na semana passada: violência sem sentido
A ação foi a primeira planejada e executada pela “Tropa do Braço”,
agrupamento especial criado pela PM de São Paulo para atuar nas
manifestações populares. A tropa consiste em policiais treinados em
artes marciais e que vão as ruas sem o uso de armas de fogo. Entre os
guardas que atacaram um professor de meia-idade podia estar um lutador
de krav maga, arte marcial do
serviço secreto israelense, ou um outro
especializado em jiu-jítsu, amplamente utilizado nos combates do UFC.
Nenhum policial, porém, foi visto impedindo um black bloc de vandalizar a
cidade. Para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a ação foi
positiva. “Tivemos menos confronto, menos depredação”, disse. “A polícia
agiu com um trabalho sério e elaborado.”
Além da Tropa do Braço, outra iniciativa controversa adotada pela PM
de Alckmin foi a “Caldeira de Hamburgo”, embora nenhum policial e
ninguém do governo paulista se referisse à estratégia dessa maneira. A
tática ficou conhecida na Alemanha, em 1986. Para conter 800
manifestantes em Hamburgo, os policiais alemães os cercaram por 13
horas, não permitindo às pessoas se alimentar, beber água ou ir ao
banheiro. Por caracterizar tortura, a prática foi proibida na Alemanha –
mas ressuscitou, em menor medida, agora em São Paulo. Com a presença de
apenas 1,5 mil pessoas (havia, portanto, mais policiais que
manifestantes), o protesto teria passado despercebido, não fosse a
atuação desastrada da polícia, que acabou repudiada por diversas
entidades, inclusive pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Nos próximos dias, a presidenta Dilma Rousseff definirá o programa de
segurança na Copa. Ganha força em Brasília a possibilidade de a
iniciativa paulista de combate ao vandalismo ser adotada por outros
Estados, conforme declarações do ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo. Entre os pontos que serão analisados pela presidenta estão o
endurecimento policial durante os protestos, a proibição de uso de
máscaras nas manifestações e a adoção de penas mais duras para os
vândalos. Qualquer preocupação que visa conter as ações violentas é,
claro, bem-vinda. O que não está certo é afrontar a liberdade de
expressão, como fez a polícia paulista na semana passada.
Fotos: Yan Boechat; ROBERTO VAZQUEZ/FUTURA PRESS
Fonte: http://www.istoe.com.br
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