Quem precisa da Copa do Mundo?
Nos deram espelhos e vimos um mundo doente
Por Marcio Viana de Souza
Muito se tem falado da Copa do Mundo FIFA 2014 que será realizada no
Brasil entre os meses junho e julho, inclusive acerca de possíveis
irregularidades em licitações, superfaturamento de obras, entre outras
práticas imorais que rondam o imaginário dos cidadãos brasileiros em
face dos governantes eleitos.
Licitação é um procedimento
administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a
proposta mais vantajosa para o futuro contrato de seu interesse, Seus
princípios são: igualdade, procedimento formal, sigilo na apresentação
das propostas, vinculação ao edital, julgamento objetivo, adjudicação
compulsória e probidade administrativa.
As fraudes em licitações
já fazem parte da cultura brasileira e a chegada da Copa do Mundo não
traz qualquer novidade no uso deste expediente. Alguns poucos abastados
se aproveitam das inúmeras brechas deixadas pela nossa legislação para
desviar os fins a que o instituto se destina, qual seja: promover a
menor oneração ao erário na contratação de bens e serviços assegurando a
proposta mais vantajosa para a Administração Pública, bem como o
tratamento isonômico entre os licitantes, conforme disposição do artigo 37, inciso XXI da carta magna.
Todavia, a Lei nº 8.666/93 que regula as normas para licitações e contratos da Administração Pública autoriza, em seu artigo 24, diversas hipóteses de contratação direta pelo poder público sem a utilização de processo licitatório.
Em
face da hipótese levantada pela legislação específica e os grandes
eventos que serão realizados, diversas interpretações são utilizadas
para burlar o sistema, tais como: A lei 8.666/93
é incapaz de assegurar a rapidez dos processos licitatórios para os
mundiais, é de farta rigidez procedimental e altamente burocrática, que
apresenta um rol de restrições extenso, o que leva aos desvios das
contratações diretas e improbidades administrativas.
Enfim,
todas essas características já são de trato comum do eleitorado
brasileiro, porém, a realização da Copa do Mundo trará alguns benefícios
ao esporte nacional, conforme tem sido amplamente divulgado pelos
poderes constituídos, todavia, o preço a ser pago pode ser caro demais a
ponto de desequilibrar de forma extremamente desproporcional a relação
custo x benefício.
No mês de março do ano de 2012, o ex-jogador
de futebol e deputado federal Romário (PSB-RJ) afirmou que a Copa do
Mundo de 2014 será "o maior roubo da história do Brasil". Em texto publicado em sua página no Facebook o deputado continua:
“O pior ainda está por vir, porque o governo deixará que aconteçam as obras emergenciais, as que não precisam de licitações. Aí eu quero ver se as pessoas que apareceram sorrindo na foto durante a reunião de ontem vão querer aparecer. Esse Brasil é um circo e os palhaços vocês sabem bem quem são”. (Fonte: http://www.lancenet.com.br/copa-do-mundo/Romario-Copa-roubo-historia-Brasil_0_665933531.html#ixzz2r2jMTiHQ)
Evidentemente o Excelentíssimo Deputado não se referia somente às fraudes em licitações.
A
realização do evento custará ao bolso do contribuinte brasileiro muito
mais do que se imagina, isso porque uma série de leis tributárias foram
editadas com a intenção de conceder uma vasta gama de desoneração fiscal
à FIFA.
Apenas para ilustrar uma pequena parcela do que essa renúncia fiscal pode significar temos a Lei nº 12.350/2010 que, entre outras concessões, apenas em seu artigo 7º isenta a FIFA do pagamento de nada mais nada menos do que oito tributos federais: (IR, IOF, Contribuições previdenciárias, Contribuições do Sistema S, PIS, COFINS, CIDE’s).
Todavia, caro contribuinte, se você pretende realizar negócios de
qualquer natureza com a FIFA, não se preocupe, pois nada mudará em sua
rotina. Isso porque o parágrafo 6º do mesmo artigo supramencionado
estabelece de forma cristalina que as pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no país não estão desobrigadas do recolhimento tributário.
E isso não é só. O Art. 8º da Lei nº 12.350/2010 ainda inclui ao Rol de isenções o IPI e a CSLL totalizando, até aqui, uma renúncia fiscal de dez tributos federais.
O
mais interessante é que as isenções concedidas não se limitam apenas à
FIFA. A referida entidade exigiu da nossa “soberania” que seus
patrocinadores, confederados e prestadores de serviço ficassem
igualmente isentos de recolhimentos tributários. Veja o artigo 10 do
diploma legal:
Art. 10: Estão isentos do imposto sobre a renda os rendimentos pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos pela Fifa, pelas demais pessoas jurídicas de que trata o § 2º do art. 7º ou por Subsidiária Fifa no Brasil, para pessoas físicas, não residentes no País, empregadas ou de outra forma contratadas para trabalhar de forma pessoal e direta na organização ou realização dos Eventos, que ingressarem no País com visto temporário (grifos inseridos).
Observa-se aqui que apenas os estrangeiros
estão passíveis de receber os benefícios fiscais. Para completar a
indignação com as vultuosas somas de que estamos abrindo mão para que o
evento seja realizado em terras tupiniquins, o parágrafo 1º do
indigitado artigo revela mais um aspecto imoral de benefícios que serão
gozados em nosso território:
§ 1º As isenções deste artigo também são aplicáveis aos árbitros, jogadores de futebol e outros membros das delegações, exclusivamente no que concerne ao pagamento de prêmios relacionados aos Eventos, efetuado pelas pessoas jurídicas mencionadas nocaput.
Até aqui o leitor já deve ter se enojado das disposições trazidas (leia-se exigidas pela FIFA) pela lei nº123500000/2010, porém, a cereja no topo do bolo (melhor dizer no topo do sundae) ainda está por vir.
Todos sabem que os elementos formadores de um Estado são, Território, Povo, Finalidade e, principalmente, soberania,
esta última conceituada como o poder atribuído a determinado Estado de
fazer valer em seu território as normas por ele criadas.
Desta forma, o Estado brasileiro é soberano
e como tal, não aceita ingerências externas com exceção dos acordos
internacionais firmados que versem sobre direitos humanos que serão
incorporados em nossa legislação desde que o Brasil seja signatário.
Acontece
que o art. 22, § 3º, da referida Lei, afronta dispositivo
constitucional ao atribuir à FIFA, à Subsidiária FIFA, ou ao Comitê
Organizador Brasileiro Ltda. – LOC, a apresentação, junto à Secretaria
da Receita Federal do Brasil, da chamada “relação das pessoas físicas e jurídicas passíveis de serem beneficiadas” pelas exonerações previstas na Lei.
Ora, estamos diante de uma delegação de competência legislativa para uma entidade de direito internacional privado.
O interessante é que, de acordo com o texto constitucional, a competência tributária não pode ser delegada e é concedida de forma privativa aos entes tributantes (União, Estados, DF e Municípios).
O artigo 146, inciso III da CF/88 estabelece que cabe à Lei Complementar estabelecer as normas gerais de direito tributário. Essa Lei Complementar é o nosso Código Tributário Nacional, o qual, em seu artigo 7º preconiza que A
competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de
arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou
decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra.
Assim,
resta evidente o chamado princípio da indelegabilidade o qual proíbe a
um ente tributante delegar a sua competência facultando, apenas e tão
somente a delegação da capacidade tributária (fiscalizar e arrecadar), ainda assim, essa delegação deve ser conferida somente a um ente de direito público.
Desta
feita, diante de tamanha ofensa à soberania nacional, permitindo que um
ente de direito privado venha legislar em nosso território favorecendo a
seus interesses; diante de tamanha inconstitucionalidade imposta aos
contribuintes e diante das necessidades primordiais que do nosso país,
restam as seguintes indagações: a quem interessa a realização da Copa
do Mundo? Tantas isenções fiscais atingem o interesse público? Por que a
FIFA se empenha em realizar a Copa do Mundo em países que não possuem
estádios com a estrutura necessária (África do Sul, Brasil, Rússia,
Dubai)?
A Lei nº 12.350/2010
representa com maestria o complexo de vira-latas ao qual o dramaturgo
Nelson Rodrigues se referia quando notou que o povo brasileiro se
considera inferior aos povos estrangeiros.
O Brasil não precisava
da Copa do Mundo. A Copa do Mundo precisa de países como o Brasil para
alavancar o lucro de dirigentes sedentos por dinheiro.
Os bilhões
de reais que deixarão de abastecer os cofres públicos não serão
compensados com os estádios modernos, festas estrondosas tampouco um
possível título brasileiro no torneio.
O que ficará como reflexo
da festa será a falta de recursos para investir em hospitais,
infraestrutura, educação entre outras necessidades do sofrido povo
brasileiro, mas a fórmula de manipulação do povo não é nova, já foi
utilizada na época do império romano e levava o pitoresco nome de “Política do Pão e Circo” (previa o provimento de comida e diversão ao povo, com o objetivo de diminuir a insatisfação popular contra os governantes).
Por
fim, fica a constatação de que regredimos 500 anos de nossa história.
Voltamos ao tempo da colonização quando o homem branco estrangeiro
invadiu nosso território, deixou espelhos aos nossos índios e levou
embora o nosso ouro.
Fonte: http://marciovianadesouza.jusbrasil.com.br/artigos/113785104/quem-precisa-da-copa-do-mundo?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter
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