Que revelação é essa?
A “descoberta” de uma conversa de John Kennedy e o embaixador Gordon remonta a um livro publicado em 2002
por Luiz Gonzaga Belluzzo
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publicado
11/01/2014 07:59
Arquivo Pessoal
A imprensa brasileira noticiou na terça-feira, 7 de janeiro de
2014, a “descoberta” de uma gravação reveladora. O próprio Kennedy
gravou a conversa com o embaixador americano no Brasil. Kennedy
perguntou a Lincoln Gordon se os Estados Unidos poderiam “intervir
militarmente” no Brasil para depor o presidente João Goulart. Os jornais
proclamam que “a revelação feita pelo jornalista Elio Gaspari muda o
entendimento da participação americana”. Às vésperas do famigerado golpe
de Estado de 1964, surgiu um slogan premonitório: “Basta de
intermediários, Lincoln Gordon para presidente”. Gordon era o embaixador
dos Estados Unidos no Brasil.
Em seu livro A Segunda Chance do Brasil – subtítulo, A Caminho do Primeiro Mundo
– publicado em 2002, Gordon relata uma reunião na Casa Branca com o
presidente Kennedy: “Durante a reunião na Casa Branca, eu alertei o
presidente Kennedy sobre a possibilidade de algum tipo de ação pelos
militares brasileiros e ele perguntou qual deveria ser nossa atitude”.
Depois de tergiversar, enrolar com considerações a respeito da admiração
de Goulart pelo presidente americano, Gordon foi ao que interessava e
concluiu: “O mais importante é ao mesmo tempo organizar as forças tanto
políticas quanto militares para reduzir o poder de Goulart [...] ou, em
uma situação extrema, destituí-lo, se as coisas chegarem a esse ponto, o
que dependeria de uma ação explícita de sua parte. Minutos depois,
Goodwin observou: ‘Podemos muito bem querer que eles (militares brasileiros)
assumam o poder no fim do ano, se eles puderem fazer isso”. Richard
Naradof Goodwin era, na ocasião, subsecretário de Estado para Assuntos
Interamericanos.
Na nota de rodapé da página 325 da primeira edição do livro publicado
pela Editora Senac, o embaixador Gordon escreve: “Para minha surpresa
revelou-se recentemente que o presidente Kennedy tinha instalado um
aparelho de gravação no Salão Oval. Nessa conversa de 30 de julho, que
incluiu também Richard Goodwin, foi a primeira reunião a ser gravada. A
transcrição tem muitos hiatos (sic), alguns por razões de segurança,
outros porque certas passagens não puderam ser decifradas. A maior parte
desse material está disponível agora nas páginas 9 a 25 de Timothy
Naftali (org.) The Presidential Records, John F. Kennedy, The Great Crisis, vol. 1, 2001.”
Gordon conspirava abertamente
com as “forças democráticas” nativas, aquelas que estão permanentemente
arquitetando a supressão da democracia. Da conspirata participavam
naturalmente os homens de bem: ricos de todos os gêneros, parte da
classe média ilustrada, semi-ilustrada e deslustrada. Até mesmo os
habitantes de outras galáxias sabiam que senhores da mídia tupiniquim
estavam metidos até a raiz dos cabelos nas conversações e maquinações
conspiratórias articuladas por Gordon. É surpreendente que manifestem
surpresa com as palavras de Kennedy registradas na gravação. Mas, como
sugere Woody Allen em um de seus filmes, “tudo pode acontecer”.
Segue o enterro: a situação política, continua Gordon, “me levou a
endossar a sugestão da CIA de que fornecesse dinheiro a candidatos
amigáveis”. Para tanto, a agência americana de espionagem e informação
valeu-se do Ibad, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, criado em
1959 por um certo Ivan Hasslocher com o propósito de combater o governo
Juscelino, que, sabem todos, era um perigoso aliado do comunismo
internacional.
Os Estados Unidos já haviam patrocinado a deposição de Arbenz na
Guatemala e instigaram a queda de Perón na Argentina. O suicídio de
Getúlio, em 1954, e a coragem do então general Henrique Batista Duffles
Teixeira Lott, ministro da Guerra, em 11 de novembro de 1955, abortaram
as tentativas de interrupção da normalidade institucional no Brasil.
Mas, em março de 1964, o País entrou finalmente no roteiro dos “golpes
democráticos” gestados em Washington.
O resto da história os brasileiros maiores de 50 anos sabem: duas
décadas de ditadura militar, cevada e sustentada pelo Departamento de
Estado. Está mais do que provado há tempos que a participação da CIA e
de outras agências americanas no golpe foi decisiva. Os americanos foram
generosos na transferência de tecnologia: enviaram experts nas técnicas
de tortura, conforme depoimento insuspeito e digno de muitos oficiais
brasileiros que se recusaram a compactuar com os desatinos do regime
autoritário.
É bom abrir o olho. Quando essa turma e seus institutos
falam de liberdade, está preparando a “cama” para os adversários
políticos. Gordon gostava de fumar cachimbo. Dizem que, já morto, ainda
tem a boca torta.
Fonte: Carta Capital
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