Racismo explica 80% das causas de morte de negros no país
O percentual de negros assassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos, revela pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada Vidas Perdidas e Racismo no Brasil.
Embora as razões para explicar esses dados não estejam totalmente claras, “20% da causa da morte de negros” pode ser atribuída a “questões socioeconômicas”, como diferenças em relação a emprego, moradia, estudo e renda do trabalhador, diz Rodrigo Leandro de Moura, um dos autores do estudo realizado pelo Ipea, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.
Professor Rodrigo Leandro de Moura.
Foto: Reprodução
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Como foi realizada a pesquisa que demonstra maior violência contra os negros no Brasil?
Rodrigo Leandro de Moura – Essa
pesquisa surgiu do nosso interesse de avaliar se havia uma
discriminação contra negros ocorrendo em relação aos casos de homicídios
registrados no país. Procuramos avaliar inicialmente a taxa de mortes
por homicídios de negros e não negros e verificamos uma
discrepância
grande entre os dados. No que se refere aos resultados por estados,
também verificamos que há, principalmente no Nordeste. Norte e
Centro-Oeste, uma discrepância grande entre a taxa de homicídios de
negros e não negros.
A partir dessas informações, calculamos,
através de uma metodologia de outro artigo, a perda de expectativa de
vida do negro ao nascer, em razão da violência.
Por que
o número de negros assassinados no Brasil é 132% maior do que o de
brancos? Quais as causas desses assassinatos e que atores estão
envolvidos nestas mortes?
Visto que observamos esse
diferencial muito grande entre homicídios de brancos e negros,
calculamos a diferença da taxa de homicídios entre negros e não negros e
procuramos avaliar, através de um modelo estatístico,
qual percentual desse resultado poderia ser explicado por
características socioeconômicas – quando falo de características
socioeconômicas, refiro-me a diferenças de educação, diferenças
demográficas, diferença nas condições do mercado de trabalho, como taxa
de desemprego, renda do trabalhador, diferenças de tipo de moradia,
densidade domiciliar, etc.
A partir desses dados, verificamos que
as características socioeconômicas explicavam somente 20% da diferença
da taxa de homicídios. Ou seja, 20% da causa da morte de negros pode ser
atribuída a essas principais características socioeconômicas. Os outros
80% correspondem a quê? Pensamos que esse resultado se explica através
de características socioeconômicas que não observamos.
Você tem ideia de quais são essas características ou é impossível identificá-las por enquanto? Qual o significado desses 80%?
Não.
Logicamente estamos restritos à base de dados: utilizamos os dados do
Censo. É difícil imaginar outras variáveis socioeconômicas demográficas
que não tenham alguma relação no modelo, e também não conseguimos
identificar novas características, porque esse exercício foi feito a
partir das taxas de homicídio por município. Não conseguimos
identificar, por exemplo, que tipo de característica específica, em cada
município, pode estar associada ao racismo e que pode, de alguma
maneira, afetar o resultado.
O que quero dizer com isso? Dentro
desses 80% pode ter uma variável socioeconômica que não observamos, mas
apesar de não conseguirmos imaginar qual seja, pensamos que um
componente importante para explicar esse dado seja o racismo. O que
reforça a tese de racismo é que as características socioeconômicas podem
ser afetadas por ele.
Então, por exemplo, o negro sofre
discriminação no mercado de trabalho, pode ter mais dificuldade de ter
acesso a postos de trabalho qualificados, pode sofrer bloqueio de
oportunidades de seu crescimento profissional e também pode ter o que
chamamos de desigualdade de oportunidades e, por causa disso, sofrer
tratamento desigual no que se refere às oportunidades no mercado de
trabalho.
O racismo cria determinados estereótipos negativos que
acabam afetando a autoestima de crianças e jovens negros e, aí,
logicamente, influenciam negativamente sobre eles. De modo geral,
acreditamos que o racismo infl uencia esse diferencial de taxa de
homicídios. Não conseguimos uma metodologia que consiga quantificar
exatamente qual é este percentual, mas cremos, com certeza, que boa
parte desse diferencial seja devido ao racismo.
Como a violência se manifesta entre negros e não negros no país?
A
violência gera uma perda de expectativa de vida. Avaliamos a violência
em alguns aspectos: homicídios, acidentes de trânsito, suicídios, etc. A
partir disso, observamos que a maior perda da expectativa de vida é
para homens. Verificamos também que os homens não negros morrem mais por
conta de acidentes de trânsito do que por homicídios, enquanto os
negros sofrem mais homicídios.
Diante desses dados, entramos na
questão que está relacionada ao racismo institucional, ou seja, a uma
forma particular de racismo nas instituições, que envolve o
funcionamento da polícia. Essas organizações constituem só um segmento,
uma ponta do Sistema de Justiça Criminal, que está mais perto do
cidadão.
Então, é o policial que, em geral, aborda primeiro o
criminoso e deveria garantir os direitos civis, os direitos humanos,
enfim, a questão da isonomia no tratamento ao cidadão. Entretanto, a
partir dos dados do Censo e da Pnad de 2009, observamos que, quanto ao
percentual da população que sofreu agressão física em 2009, 1,8%
era de negros e 1,3% era de não negros.
Entre
as vítimas que não procuraram a polícia, 61,8% eram negros e 38,2% eram
não negros. Então, o que isso mostra? Que entre aqueles que não
procuraram a polícia, ou seja, não procuraram porque não acreditavam, ou
porque tinham medo dela, não o fi zeram por conta do racismo com que o
cidadão é tratado pela polícia.
Não descarto também outra
possibilidade, que não estaria ligada ao racismo institucional, mas à
questão do criminoso, que na maior parte das vezes é negro. Então,
haveria um caso de racismo de negro contra negro ou, então, seria mais
um problema social, ou seja, como o negro está mais envolvido com o
crime, então ele tende a matar mais negros. Acredito mais na hipótese de
racismo institucional.
Há alguma característica específica para o índice de homicídios ser maior no Norte, Nordeste e Centro-Oeste?
Aí
volta a questão das características socioeconômicas. Esperávamos que as
diferenças socioeconômicas explicassem esse dado, só que não
explicaram. Esse dado de 80% relacionado ao racismo se manifesta,
portanto, no Nordeste, em Alagoas, Pernambuco, Sergipe, também no Pará,
no Espírito Santo, em alguns estados do Centro-Oeste, onde parece que o
racismo é mais alto.
Como avalia as políticas públicas
dos últimos anos em relação aos negros, como a inclusão nas
universidades por cotas? Ações como essa mudam a mentalidade acerca do
racismo?
As políticas de ação afirmativa, isoladamente,
não resolvem o problema. Existem evidências favoráveis em relação às
políticas de ação afirmativa, por exemplo, política de cota por raça nas
Universidades. Alguns estudos têm mostrado que o desempenho do cotista
na Universidade não tem sido estatisticamente pior do que o não cotista.
Portanto,
a proposta é boa para diminuir a desigualdade e garantir oportunidades.
Entretanto, também é necessário melhorar a educação básica na base,
porque senão se incorre em outro tipo de discriminação: contra os
brancos pobres. As políticas de ação afirmativa deveriam complementar a
políticas de educação básica, de qualidade. Você tem que dar uma
educação boa desde a primeira infância. Depois de niveladas as
características socioeconômicas, a política de ação afirmativa seria
menos necessária. O que o nosso estudo mostra é que se você eliminar
toda a diferença das características socioeconômicas, a taxa de
mortalidade por homicídios reduziria somente 20%.
Rodrigo Leandro de Moura é
graduado em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo –
FEA-RP/USP, e mestre e doutor em Economia pela Escola de Pós-Graduação
em Economia da Fundação Getúlio Vargas – EPGE/FGV-RJ. Atualmente é
professor e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia –
IBRE/FGV-RJ.
Foto: Alf Ribeiro/Folhapress
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