Um choque na burocracia
Com êxito na área de energia, o Brasil sobe no ranking Doing Business. Mas ainda falta o Banco Mundial ser mais justo na sua avaliação
Por Luís Artur NOGUEIRA
No dia 5 de fevereiro deste ano, uma comitiva de executivos da
BRAiN, entidade empresarial que luta para melhorar a imagem do País no
Exterior, desembarcou em Washington, a capital americana. Na bagagem,
relatórios e planilhas com informações estratégicas que seriam
apresentadas em dez reuniões no Banco Mundial. O objetivo era convencer a
equipe responsável pelo tradicional ranking Doing Business de que a
avaliação do Brasil era injusta. Passados oito meses, o esforço foi
parcialmente recompensado.
Alta voltagem: Sidney Simonnagio, da AES Eletropaulo, prevê investir
R$ 5,3 bilhões em infraestrutura até 2018
O País passou da 130ª para a 116ª posição, mas inúmeros avanços
institucionais ainda são ignorados pelo órgão internacional, que faz o
levantamento por meio da International Finance Corporation (IFC), seu
braço financeiro para o setor privado. Para avaliar os 189 países, os
pesquisadores estabelecem dez itens burocráticos que uma hipotética
empresa de médio porte teria de superar para abrir as portas e operar
regularmente. O melhor desempenho do País é, disparado, no item
“obtenção de eletricidade”, no qual ocupa o 14º lugar (leia quadro ao
final da reportagem). Como o estudo no Brasil é feito na cidade de São Paulo, a AES Eletropaulo teve um papel fundamental nessa evolução.
final da reportagem). Como o estudo no Brasil é feito na cidade de São Paulo, a AES Eletropaulo teve um papel fundamental nessa evolução.
Em 2010, a distribuidora de energia iniciou uma série de
investimentos em infraestrutura, que, somados, totalizam R$ 5,3 bilhões
até 2018. “Reduzimos de 57 dias para 51 dias o tempo médio que um
pequeno empresário leva para obter uma conexão de energia elétrica”, diz
Sidney Simonnagio, vice-presidente de Operações da AES Eletropaulo. “O
custo da ligação foi reduzido de R$ 24 mil para R$ 7,5 mil.” Outro
avanço nessa área, que é levado em consideração pelo ranking Doing
Business, foi a redução de seis para quatro no número de etapas que se
percorre entre a decisão de pedir uma nova conexão de energia e a
chegada efetiva da eletricidade.
No quesito “proteção aos investidores”, o Brasil não brilha, mas
pelo menos está na parte de cima da tabela. Os pesquisadores avaliam as
garantias que os acionistas minoritários têm contra o mau uso dos ativos
da empresa por parte dos membros do conselho de administração. Com um
mercado de capitais bem desenvolvido, com exigências cada vez maiores de
governança corporativa, é factível vislumbrar avanços nesses pontos nos
próximos anos. Nos demais itens, no entanto, os números são
desanimadores. Há casos inquestionáveis como a dificuldade que o setor
privado enfrenta para pagar impostos.
São 2.600 horas por ano gastas apenas para acertar as contas com o
Fisco, o que nos garante o último lugar no ranking. O segundo pior país é
a Bolívia, onde a burocracia consome 1.025 horas. Outro quesito muito
mal avaliado é o de “obtenção de alvarás de construção”. Em São Paulo, a
demora média é de 400 dias. Não é difícil de imaginar o motivo de tanta
burocracia diante das denúncias que foram feitas em maio do ano passado
contra Hussain Aref Saab, então chefe do setor municipal que concedia
os alvarás. Após sete anos no cargo, Aref teria adquirido 106 imóveis,
fruto de propina, segundo denúncias do Ministério Público de São Paulo.
Vendedores do Brasil: Rogerio Monteiro (à esq.) e André Sacconato,
da BRAIN, lideraram a comitiva brasileira que foi ao Banco Mundial,
em Washington. Na foto, os dois estão na avenida Faria Lima, um dos centros
de negócios de São Paulo
Há, no entanto, itens nos quais o Brasil evoluiu muito, mas os
pesquisadores não reconhecem. Um deles é “obtenção de crédito”, pois o
Novo Código Civil e a Nova Lei de Falências são avanços que ainda não
rendem frutos no ranking. “O Banco Mundial considera o penhor mercantil e
a hipoteca como as principais garantias”, diz Rogerio Monteiro, diretor
jurídico do BNP Paribas e um dos integrantes da comitiva da BRAiN que
foi a Washington. “No Brasil, esses mecanismos não asseguram nada.”
O grande desafio é convencer os pesquisadores de que a cessão
fiduciária e a alienação fiduciária resgataram a credibilidade do
mercado imobiliário.
Não é à toa que o crédito no setor disparou nos últimos anos, após a adoção desses mecanismos jurídicos. “A
alienação fiduciária vai direto ao ponto e permite, inclusive, a venda
extrajudicial do bem”, afirma Monteiro. Já o item “abertura de empresas”
trouxe pequenos avanços. Ao concentrar a emissão do Cadastro Nacional
de Pessoa Jurídica (CNPJ), do Número de Inscrição no Registro de
Empresas (NIRE) e da Inscrição Estadual (Secretaria da Fazenda) na Junta
Comercial, em uma espécie de balcão único, o governo reduziu de 119
para 107 dias o tempo de abertura de um negócio.
O Brasil, porém, caiu no ranking internacional neste item, o que
mostra que outros países estão superando a burocracia mais rapidamente.
Na tentativa de virar esse jogo, a presidenta Dilma Rousseff anunciou,
na semana retrasada, que um portal na internet será criado para unificar
todos os procedimentos. “Em 95% dos casos, será possível abrir uma
empresa em até cinco dias”, afirmou a presidenta. A previsão é de que o
plano, sob responsabilidade da Secretaria da Micro e Pequena Empresa,
seja executado no ano que vem.
Até lá, a luta da BRAiN vai continuar.
“Com as condições atuais, a posição correta do Brasil seria em 80º
lugar”, afirma André Luiz Sacconato, diretor de pesquisas da entidade.
“O atual ranking é injusto.” Na edição do ano que vem, novidades deverão
ser incorporadas ao levantamento, que deixará de ser feito pelo IFC e
passará para o departamento de economia do Banco Mundial. Um salto
qualitativo, no entanto, não depende apenas de mudanças metodológicas.
Está nas mãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a
possibilidade de avanços concretos na superação de uma estrutura de
negócios arcaica e provedora de uma fonte inesgotável de propinas.
Inspirado no sucesso do setor de energia, chegou a hora de o País dar um
choque na burocracia.
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