"Cine Holliúdy", um sucesso inesperado
O filme, que já provou o gosto do triunfo no circuito do Nordeste, chega aos cinemas do Sudeste com grandes expectativas
Década de 1970, interior do Ceará. Um nordestino arretado tenta de
todas as formas salvar a cultura do cinema do esquecimento decorrente da
popularização da televisão. Francisgleydisson (Edmilson Filho) é dono
de um cinema mambembe que monta na traseira de seu carro nas praças das
cidades por onde passa. Em uma última tentativa de realizar o sonho de
exibir seus filmes trash de kung fu para uma plateia cheia, ele leva
mulher (Miriam Freeland) e filho para uma cidadezinha onde crê ainda não
haver televisores. Ao chegar, gasta todo o seu dinheiro na compra de um
imóvel que possa comportar o tão sonhado Cine Holliúdy.
Apesar de lúdico e das cenas
cômicas, a história do filme Cine Holliúdy, que estreia nesta sexta-feira (15) nas salas do Sudeste, não é totalmente ficcional. O diretor cearense Halder Gomes viveu os últimos dias do cinema mambembe nas cidades do interior do Nordeste quando era criança. “Na época, eu nem sabia que estava presenciando o fim de uma era”, diz o diretor, que, antes de criar o longa-metragem era dono de uma academia de artes marciais.
cômicas, a história do filme Cine Holliúdy, que estreia nesta sexta-feira (15) nas salas do Sudeste, não é totalmente ficcional. O diretor cearense Halder Gomes viveu os últimos dias do cinema mambembe nas cidades do interior do Nordeste quando era criança. “Na época, eu nem sabia que estava presenciando o fim de uma era”, diz o diretor, que, antes de criar o longa-metragem era dono de uma academia de artes marciais.
Ao que tudo indica, os nordestinos sentem falta dessa era extinta. Cine Holliúdy estreou
em agosto fora do circuito tradicional de São Paulo e Rio de Janeiro e,
ainda assim, foi sucesso de público. Atingiu a marca de mais de 400 mil
espectadores em três semanas de exibição, só em Fortaleza. Ficou entre
os dez filmes mais vistos do Brasil, com lançamento apenas na capital, e
teve uma média de público por sala maior que a do blockbuster Titanic, quando foi lançado em 1998.
A receita para o fenômeno de bilheteria está na representação do
nordestino verdadeiro, de acordo com Gomes. “O filme traz um olhar
realista do que é o cearense”, afirma. Para o diretor, os filmes
brasileiros trazem versões estereotipadas dessas personagens. Cine Holliúdy
retrata o nordestino com autenticidade, funcionando como um espelho
para o público. O crítico de cinema Celso Sabadin concorda. “O filme
traz o Nordeste real, feito por um nordestino real, em condições
próprias do Nordeste. Daí surge a identificação”, afirma.
Entretanto, o filme ainda tem outra carta na manga. Falado em um dialeto que o diretor chama cariosamente de cearensês, Cine Holliúdy
é acompanhado de legendas para facilitar a compreensão das gírias e
estilo de conversar dos moradores do Estado do Ceará. “Não quis tirar
essa característica natural dos atores, por isso tive a ideia de usar as
legendas para facilitar para o público de fora”, afirma Gomes. Para
ele, essa é uma forma do Brasil se autodescobrir. “Um país desse tamanho
possui diversos dialetos, dentro de suas próprias línguas. É muito
importante mostrar isso de forma verdadeira”, diz.
Se o sucesso no Nordeste foi incontestável, agora a dúvida recai na
recepção do Sudeste. “Já faz muito tempo, a maioria das salas de cinema
do Sudeste desenvolveram um processo de elitização, afastando o público
das salas de cinema e arrastando-o para a internet e para a pirataria”,
diz Sabadin. Com isso, diminuiu o número de pessoas que preferem uma
produção cinematográfica mais arraigada à cultura verdadeiramente
brasileira. A expectativa para repetir o fenômeno de Cine Holliúdy fica por conta dos nordestinos radicados na região, que poderão se identificar e inflar ainda mais os números do filme.
Segundo o crítico de cinema Daniel Schenker Wajnberg, o público do
Sudeste pode se afeiçoar ao filme pelo tema central da comédia: a
retomada da derrocada dos cinemas, particularmente os de rua. “De forma
despretensiosa, o filme mostra a difícil sobrevivência do entretenimento
artesanal devido à concorrência com a televisão”, diz. “Essa questão
vale até mais do que o filme em si.”
Com uma produção nacional de filmes tão grande como a de 2013, foi
possível descobrir ainda outras surpresas de bilheteria. Desde a chamada
retomada, que aconteceu duas décadas atrás, a média de filmes nunca foi
tão grande: foram 115 lançamentos. Na lista de sucessos de 2013, Cine Holliúdy aparece ao lado de Minha mãe é uma peça, com Paulo Gustavo que teve mais de 4,5 milhões de espectadores, Somos tão jovens, com 1,7 milhão de ingressos vendidos, e Faroeste Caboclo,
com 1,5 milhão. Estes últimos, baseados na vida e obra de Renato Russo
(1960-1996). “Acredito que o público esteja começando a separar o joio
do trigo e a discernir melhor”, afirma Celso Sabadin. “Aos poucos, ele
ficará mais consciente e os produtores vão perceber que não adianta
fazer qualquer coisa”, diz. Mas, para isso é preciso, antes de mais
nada, bons roteiros. “Essa tem sido a nossa principal deficiência.”
Por isso, mesmo com a produção crescente, ainda falta muito para que o
público brasileiro vá em massa ver um filme brasileiro motivado por
fatores unicamente cinematográficos. “Mas a gente chega lá: sou
otimista”, diz Sabadin.
Nenhum comentário:
Postar um comentário