“Escutei todos os tiros que mataram meu filho”, diz mãe de trabalhador da Unifesp
“Não
sei mais quem eu sou, parece que estou em coma e que a qualquer momento
vou acordar” desabafou emocionada a diarista Elvira Ferreira ao contar
sobre
o assassinato do filho Ricardo Ferreira Gama. O auxiliar de
limpeza morreu no dia 2 de agosto em decorrência de oito tiros à
queima-roupa na rua de sua casa, na Vila Mathias em Santos.
Elvira
contou que estava deitada quando escutou os tiros e na hora pensou que
fosse o escapamento de alguma moto. “Meu vizinho bateu no meu portão
desesperado, eu olhei lá fora e vi meu filho ensanguentado no chão.”
Os
principais suspeitos são três policiais militares que agrediram Ricardo
dois dias antes do crime em uma rua próxima à Unifesp. Depois da
repercussão na imprensa e nas redes sociais, eles foram afastados e
acusados de lesão corporal. O Departamento de Homicídios e Proteção à
Pessoa (DHPP) assumiu as investigações do assassinato.
Elvira
emocionou os presentes na entrevista coletiva que discutiu a
desmilitarização da polícia e marcou o início das atividades que marcam o
aniversário de 21 anos do Massacre do Carandiru e aconteceu a sede do
Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
Diversas entidades de
direitos humanos estavam presentes, além de vítimas e familiares de
vítimas da violência do Estado, como Mães de Maio, Coletivo
Desentorpecendo a Razão (DAR), Passe Livre, Periferia Ativa, Moinho
Vivo, Tortura Nunca Mais, entre outros.
“Nós não somos da paz,
mataram nossos filhos, nós somos do ódio” afirmou Débora Maria Silva,
uma das coordenadoras do Mães de Maio. O movimento luta para que os
crimes de maio de 2006 sejam federalizados e assim o Ministério Público
Federal e a Polícia Federal poderão investigar os assassinatos de 493
pessoas que foram possivelmente praticados por agentes policiais.
Débora
acredita que o povo deve exigir uma faxina na política, a
desmilitarização da polícia e também uma reforma no judiciário. “Qual a
cor dos presídios hoje? Vemos um Navio Negreiro. Temos que acabar com
essa cultura de que quem tem passagem pela polícia deve morrer”,
defendeu.
Para Danilo Dara, também do Mães de Maio, tem que se
criar até o final de 2013 uma política tanto nos estados quanto no país
de reparação para essas vítimas do Estado. “Precisamos de uma política
que assegure a reparação integral dessas famílias, uma reparação moral,
física, psicológica e financeira. Muitos desses jovens eram arrimos de
suas famílias”, explicou.
Alessandra Moja, líder comunitária da
Favela do Moinho, também se emocionou bastante ao contar que há dez anos
seu irmão e cunhado foram assassinados e que suas mortes até hoje não
foram apuradas pela polícia. “Temos problemas com a polícia desde o
começo da ocupação no Moinho (mais ou menos em 1992) aquele terreno era
um cemitério clandestino da PM. Nos incêndios (dois grandes em 2011 e
2012) morreram mais pessoas do que dizem (estatística oficial dois
mortos no primeiro e um no segundo), muitas mães foram na comunidade
chorar por seus filhos, muitos corpos acabaram queimados”, conta
Alessandra.
A líder comunitária revela ter medo de retaliação por
esses anos de enfrentamento e pelo testemunho que deu pela morte de seu
irmão e cunhado. Ela conta que já perdeu pelo menos 32 pessoas, entre
familiares e amigos, por causa da violência policial.
Passe Livre e manifestações de Junho
Segundo
o Movimento Passe Livre mais de 300 pessoas foram presas durante a luta
contra o aumento em 2013, sendo muitas detidas por portarem vinagre,
tinta, cartazes e até simplesmente por terem cara de manifestante, além
dos presos para averiguação.
Ainda há cerca de 25 pessoas
aguardam para saber se haverá processos abertos ou se estes serão
arquivados, além de uma moradora de rua que foi presa no dia 11 de junho
depois de uma série de saques no centro de São Paulo e que teve seu
Habeas Corpus negado pela justiça.
“Vemos ai a mesma lógica que
leva a PM a prender, cotidianamente, jovens na periferia por ‘terem cara
de suspeitos’. As prisões por averiguação são prática corriqueira nas
periferias de São Paulo e não tem a mesma repercussão por acontecerem
longe das câmeras”, afirmou Mariana Toledo do MPL.
Já o
fotojornalista Sérgio Silva, que no dia 13 de junho perdeu a visão do
olho esquerdo ao ser atingido por uma bala de borracha em São Paulo,
questionou a falta de posicionamento da Polícia Militar em relação ao
suposto inquérito sobre os excessos cometidos no dia 13 de junho. “A
violência cometida pela Polícia Militar nas manifestações são apenas um
reflexo do que ela comete há anos e cotidianamente nas periferias do
país. Convidei o Grella (Secretário de Segurança Pública do Estado de SP
– Fernando Grella) para uma audiência pública para explicar a violência
naquele dia de junho, estou aguardando a resposta”, completou.
Próximo evento
No próximo sábado (5), haverá um ato “Contra o Estado Penal-militar” no
Parque da Juventude, local do antigo Carandiru, para marcar 21 anos do
Massacre no presídio. A proposta é debater os impactos da militarização
com atividades lúdicas, uma tribuna livre de debates e um ato passando
pelos presídios da região. Começando às 13h30, o ato visa repensar os
efeitos do Estado penal e da polícia militar em uma sociedade dita
democrática.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/26152
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