O crente, o grato e o temente
(Salvador Dalí, Cristo de San Juan de la Cruz)
Existem três tipos de pessoas que acreditam em Deus: os que crêem em
Deus Pai Todo Poderoso; os que mesmo tendo dúvidas de sua existência são
gratos a Ele; e os que temem ao Senhor.
Quem crê, os do primeiro grupo, entrega aos desígnios divinos seu
futuro. Colabora, claro, mas tem o lastro da fé para levar o barco
adiante. É inegável o quão reconfortante que pode ser isso, ter um
alguém etéreo ali do lado nos empurrando, zelando por nós, indicando o
caminho, aquecendo o coração. Se tudo der errado, ainda podemos ser
caridosos, corretos e bons e por isso contar com a
vida eterna,
relaxados em um lounge de nuvens macias que nem algodão egípcio, para
todo o sempre.
Quem é grato não tem muita fé, para dizer a verdade. Geralmente, só
recorre a Deus em momentos de precisão. Quando viaja de avião, por
exemplo, não sei se pela proximidade com os céus, sempre lembra de Deus.
Na hora de torcer por algo importante. Quando tem caso de doença na
família. Faz inúmeras promessas mentais, depois providencialmente
esquecidas e nunca cumpridas. Mas apesar de um tantinho interesseiro,
sempre agradece o que conseguiu. A Deus ou ao destino ou à natureza ou
simplesmente retribui de alguma forma a graça alcançada. Agradece. E não
é a Ele a quem presta contas quando erra, mas à sua própria
consciência.
Os tementes não baseiam sua ligação com Deus na fé ou na gratidão,
mas na culpa. A religião vira uma barganha: se você fizer o que Ele
manda, Deus vai te dar tudo, inclusive dinheiro; mas se você não fizer o
que Ele manda e der tudo, inclusive dinheiro, Deus irá te punir. Este é
o problema com o pentecostalismo e o neopentecostalismo, em minha
opinião. Pregar que não basta crer em Deus ou ser grato a ele, é preciso
temê-lo. E expiar a culpa toda vez que fizermos algo “errado” –”errado”
sob a interpretação canhestra de pastores sobre as Escrituras, sob a
ótica pouco generosa de homens que se dizem de Deus sobre o Livro
Sagrado.
“Jesus disse que para entrar no céu tem que ser como as criancinhas”,
pregam os pastores, como se não fosse possível viver a vida livremente,
crendo ou não em Deus, e guardar dentro de si a pureza das crianças.
Não fazer mal ao próximo é o suficiente para conservá-la. E os pastores,
fazem bem ao próximo? Querem bem ao próximo? “Deus enxerga o ser humano
por dentro. Deus fulmina quem o afronta. Ninguém afronta a Deus e
sobrevive”. Pecado. Culpa. Medo. Não vejo fé nenhuma nessas palavras,
muito menos compaixão.
Não é à toa que tantos ex-pecadores e ex-pecadoras, dilacerados pelo
arrependimento, se convertem a estas igrejas. Não foi a fé que os guiou
até a porta daquela casa de Deus, mas a culpa. Não foi a gratidão e nem
mesmo o desespero. Um dia, esses ex-pecadores e ex-pecadoras virarão
pastores e pastoras. E transmitirão seu temor e sua culpa aos fiéis, os
farão acreditar que é preciso amordaçar os desejos, os prazeres e as
alegrias para que Deus não os castigue. Se você se comportar direitinho,
então terá merecimento a uma vida feliz e bem-sucedida. Se algo vai mal
é porque está pecando, e lá vamos nós de volta à espiral de medo e
culpa. Adorar a Deus? Se sobrar um tempinho…
Eu respeito muito quem crê em Deus e quem é grato a Ele, mas
desconfio dos que temem a Deus. Quem não deve não teme, diz a sabedoria
popular. Se teme, é porque deve alguma coisa. O que devem os que temem?
Publicado em 10 de outubro de 2013
Fonte: http://socialistamorena.cartacapital.com.br
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