Julian Assange, sobre espionagem dos EUA: “Quem se importa com a soberania do Brasil?”
Segundo ele, cada pessoa que se comunica no país foi violada e a
presidenta Dilma Rousseff acertou ao cancelar a reunião que tinha
agendada em Washington
Julian
Assange, fundador do Wikileaks abrigado na embaixada equatoriana na
Inglaterra, participou de videoconferência, na última quarta-feira (18),
em São Paulo, como parte da programação do “Seminário Liberdade,
Privacidade e o Futuro da Internet”. O porta-voz do grupo responsável
pelo vazamento de milhares de documentos sensíveis à diplomacia
internacional comentou as recentes denúncias de espionagem por parte do
governo estadunidense, entre outras questões relacionadas às mudanças
provocadas pela Internet e pelo próprio Wikileaks na esfera do poder.
Assange
foi enfático quanto à ingerência estadunidense revelada a partir de
documentos trazidos a público por Edward Snowden, ex-funcionário da
Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA): “Existe
soberania no Brasil quando todas as suas comunicações são invadidas?”.
Segundo ele, cada pessoa que se comunica no país foi violada e a
presidenta Dilma Rousseff acertou ao cancelar a reunião que tinha
agendada em Washington. “Ela certamente sairia muito enfraquecida caso
não tomasse essa decisão simbólica”, afirma.
Com
base nas denúncia de Snowden – que, segundo Assange, é um grande exemplo
de como podemos e devemos lutar contra o vigilantismo e, assim como
outros "vazadores", deveria receber asilo por parte do Brasil –, ele
comenta que o aparato montado pelos Estados Unidos garante a espionagem
de 8 milhões de pessoas por dia. “O governo de Barack Obama torna-se,
cada vez mais, uma força perigosa. Ele espionou mais que todos os
presidentes anteriores combinados”, dispara.
Com
mais de 700 presentes no auditório do Centro Cultural São Paulo, que
tiveram a oportunidade de encaminhar suas próprias perguntas para
Assange, o australiano avaliou que as revelações feitas tanto pelo
Wikileaks quanto por Snowden e outros vazadores representam o colapso do
Estado de Direito e dos direitos humanos no ocidente.
“Quem
se preocupa com o público e com a liberdade de expressão? O governo
estadunidense não”, opina, acrescentando que, em sua visão, é da
natureza do poder odiar a crítica. “Lidamos com Estados que não gostam
de serem criticados. Queremos eles no controle da Internet?”, questiona,
fazendo referência às disputas travadas em torno da governança da
Internet e da era digital.
Sobre o seu livro
“Cypherpunks”, recentemente lançado no Brasil pela Boitempo Editorial
(correalizadora do Seminário, ao lado da Secretaria Municipal de
Cultura), Assange pontua que o vazamento da máquina de espionagem
massiva estadunidense evidencia e ilustra o conteúdo da publicação.
Apesar
do prognóstico pessimista quanto ao vigilantismo dos Estados Unidos,
ele ressalta a importância das possibilidades que a Internet oferece,
utilizando como exemplo o próprio surgimento do Wikileaks e a pressão
por mais transparência e democracia nos governos. “Sem dúvida alguma, é
uma era de ouro para o jornalismo e para a comunicação como um todo”. E
vai além: “Os valores compartilhados pelo movimento digital cria e
demanda um novo corpo político”, que, na sua avaliação, representaria o
lado do interesse público contra o privado no que chama de “luta pelo
futuro”.
Questionado sobre sua situação na
Inglaterra, Assange mostra gratidão pela “solidariedade do povo
equatoriano”, mas garante que o confinamento é a última de suas
preocupações. “Estou mais empenhado em prosseguir o nosso trabalho do
que com esta questão”. Além disso, diz, “creio que a embaixada
equatoriana, no momento, é muito melhor para mim do que a distopia da
vigilância aí fora. Pelo menos não posso ser preso”.
Liberdade na Internet em debate
Somados
à videoconferência do australiano, debates sobre privacidade,
vigilância, arquitetura e governança da rede também integraram a
programação do Seminário, que contou, no total, com as presenças de Juca
Ferreira, Natalia Viana, Sérgio Amadeu, Maria Tereza Carvalho, Silvio
Rhatto, Marta Knashiro e Gisele Beiguelman.
Especialista
no tema da espionagem, Rhatto comentou a questão sob uma perspectiva
nacional. “É curioso o debate ser tão atrasado no Brasil”, diz.
“Espionagem não é apenas questão de soberania, mas da garantia de
direitos civis básicos, de liberdade política e de independência
econômica”. A lógica dos Estados Unidos, em sua opinião, é: “Como
americanos, defendemos a liberdade de expressão. Você pode dizer o que
quiser, mas nós vamos grampear tudo”.
Marta
Kanashiro, por sua vez, coloca em questão o sequestro da bandeira da
privacidade pelas corporações privadas. “Não se trata da morte da
privacidade, mas a discussão sobre sua reconfiguração e os atores que
disputam seu significado”, salienta. “Afinal, estamos falando dos
direitos dos usuários ou dos privilégios das empresas?”
Sergio
Amadeu buscou, no governo de Fernando Henrique Cardoso, um exemplo
brasileiro para mostrar a atuação histórica do vigilantismo
estadunidense. “No final dos anos 90, a Agência Nacional de Segurança
dos Estados Unidos usou um esquema de interceptação de comunicações para
'melar' uma licitação de controle de vôo na Amazônia (Sivam) vencida
por uma empresa francesa. A NSA divulgou as tratativas entre os europeus
e o Brasil e jornalistas fizeram barulho até derrubar a licitação, que
parou nas mãos de uma empresa norte-americana. No fim, havia dois
centros de controle de vôo: um na Amazônia e o outro em Washington”.
Para
Amadeu, o aparato de espionagem do governo de Obama baseia-se nos
seguintes interesses: obter informações econômicas de empresas como
Petrobras, Embrapa, Embraer e da própria Amazônia, além de acessar
questões de diplomacia e relações internacionais. Uma das ações que ele
recomenda para combater o vigilantismo é a adesão, tanto por parte dos
cidadãos quanto do governo, de sistemas com código-fonto aberto
(software livre). “Os sistemas fechados, geralmente estrangeiros,
possuem políticas de privacidade e diversos mecanismos a serviço da
NSA”.
Ele ainda defende o Marco Civil da Internet
não como uma forma de extinguir a espionagem, mas de criar uma
legislação que a torne ilegal. “No caso da vigilância, precisamos
garantir que nossos rastros digitais não possam ser armazenados e
processados sem o nosso consentimento, como prevê o Marco Civil”. O
Projeto de Lei, considerado por especialistas como um dos mais avançados
do mundo no campo da Internet, recebeu pedido de urgência por parte de
Dilma Rousseff após o governo tomar conhecimento dos relatórios
publicados por Snowden.
Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/26001
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