Entrevista - Andrew Hurrell
“EUA foram longe demais e é bom que isso seja dito”
Após discurso de Dilma na ONU, professor de relações
internacionais de Oxford defende uma “posição clara” de repúdio de
países como o Brasil em relação à política de segurança americana
O professor de relações internacionais de Oxford, Andrew Hurrell
Os Estados Unidos têm razão em se preocupar com a sua
segurança, mas o caso de espionagem contra autoridades brasileiras
mostra que o Washington foi longe demais. É o que afirma o professor do
departamento de política e relações internacionais da universidade
Oxford Andrew Hurrell.
Segundo Hurrell, ao manifestar o “repúdio” e a “indignação” aos casos
de espionagem, durante a abertura da Assembleia Geral das Nações
Unidas, em Nova York, a presidenta Dilma Rousseff deixou claro que os
Estados Unidos passaram dos limites. “Penso que é tremendamente
importante que líderes políticos de diferentes partes do mundo contestem
o que está acontecendo”, afirmou Hurrell, um dos principais convidados
do 37º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Ciência Sociais (Anpocs), realizado em Águas de Lindóia, no interior
de São Paulo.
Apesar do endurecimento do discurso, a fala da presidenta, segundo o
especialista, não muda a relação diplomática, sobretudo comercial, entre
os dois países. “A diplomacia é algo de curto prazo. Mas o mais
importante é a diplomacia a médio e longo prazo. Acho que há uma questão
de relacionamento entre Brasil e EUA e pode ser que este seja um item
de inflexão entre os países. Mas não acredito que seja algo tão sério. A
longo prazo o Brasil tem de pensar na forma de relacionamento que
pretende criar. Obviamente, é difícil quando envolve uma questão de um
país tão poderoso como os EUA, mas às vezes é preciso tomar uma posição
clara.”
E completa: “A diplomacia é sempre uma mistura de acomodação e confronto. A questão chave é encontrar um equilíbrio”.
Nos países do Norte, afirmou o professor, “sempre se fala que os
países emergentes estão fugindo do debate porque falam do que não gostam
mas não propõem novas ideias". Dilma, durante seu discurso na ONU,
ensaiou uma resposta a esta crítica. “O que se diz é que falta
pensamento e responsabilidade por parte desses países emergentes. Então é
muito importante um país como o Brasil entrar para o debate tentando
mudar a agenda exatamente para propor uma discussão mais ativa.”
Hurrell se refere à proposta exposta por Dilma Rousseff para o
estabelecimento de um marco civil multilateral das regras da internet. A
ideia, segundo ela, é impedir que a rede seja usada como “arma de
guerra”.
Hurrell ressaltou, no entanto, que esse tipo de governança é
praticamente inviável em razão das novas tecnologias. “É impossível
governar a internet”. A dificuldade, segundo ele, consiste na diferença
de posição entre os países – na China, por exemplo, a internet é
censurada –, das grandes companhias e dos usuários da rede.
“(A regulação) não pode ser só de Estados. Não dá. Você tem de ter a
participação dos grupos da sociedade civil. Só as grandes companhias
tecnológicas têm acesso a esse conhecimento”, ressalta.
Brics. Convidado a falar sobre o futuro dos Brics
durante o encontro da Anpocs, o professor avaliou o papel de países como
Brasil, Rússia, Índia e África do Sul hoje nos fóruns multilaterais.
Ele criticou tanto os entusiastas que dizem que os Brics “já mudaram o
mundo” e os pessimistas que minimizam o seu papel. “Há os que dizem que
os Brics não valem nada, que há muitas diferenças entre os países e
poucos interesses em comum. De outro lado, há um discurso dizendo que os
Brics já mudaram o mundo e que há agora um novo esquema de poder. Os
dois estão errados.”
Para Hurrell, os países do bloco já contribuíram para “uma mudança
sensível” em termos políticos e diplomáticos. “Antes de uma reunião do
G-20, aqueles países podem ter uma decisão comum ou ao menos se
consultar sobre a posição de cada um. É o que G-7 fez dentro do G20. É
um exemplo de um sistema mais plural, mais aberto. Mas, sozinhos, os
Brics não estão mudando o mundo. Por isso precisamos pensar além dos
Brics.” Para ele, a tendência é que países como Irã e Nigéria passem a
participar dos encontros de países emergentes para responder às demandas
de uma relação cada vez mais complexa entre Estados e sociedade civil.
Revolução e democracia. Para o especialista, um
exemplo da complexidade dessa correlação de forças são os protestos
observados pelo mundo. Segundo ele, o resultado da Primavera Árabe
decepcionou quem esperava ver, a partir do movimento, a transposição
entre um sistema autoritário para um sistema democrático liberal. “Neste
sentido, a Primavera Árabe fracassou. Mas as grandes mudanças não são
assim. São mais complexas. As mudanças políticas são muito
indeterminadas. Mesmo se você tem um movimento no sentido democrático,
surgem muitas questões sobre a qualidade e o tipo de democracia. Ela
será mais participativa? Dará ênfase à igualdade econômica? Há a
abertura de uma discussão sobre o que é a democracia e a discussão das
questões da democracia em face de outros sistemas. Há muitas pessoas que
não acreditam na democracia como a única alternativa para o mundo”.
No caso do Brasil, avalia, os protestos serviram como uma reflexão do
próprio sistema democrático. “Há problemas claros na questão da
representatividade dos partidos do sistema político. Quem está
representando quem? Há também a questão do Estado e a sociedade. Há
muitas pessoas pagando impostos para o Estado e recebendo serviços que
não valem tanto. E estão recorrendo cada vez mais a serviços privados,
mesmo quando a economia vai bem. Se a economia tem um crédito mais
estreito, essa relação entre Estado e sociedade, mais pra frente,
enfrentará problemas.”
Fonte: http://www.cartacapital.com.br
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