O povo não é bobo: muito além da Rede Globo
Dados da pesquisa “Democratização da Mídia”, realizada pela Fundação Perseu Abramo e lançada na última semana, comprovam que o povo já entendeu que uma mídia que dê mais vez e voz às camadas populares é essencial para a democracia.
Se enganou quem acreditava que os gritos de “o povo
não é bobo, abaixo a Rede Globo” ecoados em inúmeras manifestações por
todo o país nos meses de junho e julho significavam um descontentamento
da população exclusivamente com a emissora da família Marinho.
É fato que tanto a forma tendenciosa
como a emissora cobriu as manifestações quanto a divulgação pública
(menos pela própria emissora do plim plim) da dívida milionária da Globo
com a Receita
Federal contribuiram para que, em meio a tantas reivindicações, o povo
não deixasse de fora as críticas à TV de maior audiência do país. Porém,
mais do que uma relação única com a Globo, as manifestações guardavam
algo maior: uma insatisfação popular com a ausência de diversidade e
pluralismo na mídia brasileira. Guardavam, acima de tudo, uma
necessidade sentida pelo povo de regras claras que garantam maior
democracia no rádio e na televisão.
Se antes a mídia comercial criticava
com acidez qualquer proposta de regulação, afirmando ser “um desejo de
alguns poucos que querem censurar a imprensa”, agora não poderá fazer o
mesmo.
Dados da pesquisa “Democratização da
Mídia”, realizada pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação
Perseu Abramo, lançada na última semana em São Paulo, comprovam: o povo
não é bobo e já entendeu que uma mídia que dê mais vez e voz às camadas
populares é essencial para a democracia. Aqui no Brasil, caminhamos e
lutamos para isso. Mas ainda ainda estamos distantes dessa realidade.
Vamos a alguns dados.
43% dos entrevistados pela Fundação
Perseu Abramo afirmaram não se reconhecer na TV e 25% se veem retratados
negativamente. Ou seja, 75% não está satisfeita como é (ou como não é)
representada pela mídia brasileira. Esse sentimento já havia sido
traduzido pelo pernambucano Ivan Moraes, no cordel que escreveu sobre a
regulamentação da comunicação: “...Por que tudo é tão igual? Como as
pessoas não são...”.
Mas se o povo pode não se identificar
na telinha, ele não é bobo mesmo. 60,7% foram enfáticos: a televisão e o
rádio privilegiam interesses dos empresários, concedem mais espaço para
os patrões que para os trabalhadores.
O povo também percebe que mulheres,
negros e negras, nordestinos e homossexuais são, comumente,
desrespeitados na programação. 54% dos entrevistados acreditam que
conteúdos de violência ou humilhação de homossexuais ou negros, por
exemplo, não deveriam ter espaço na TV brasileira. 50% também não
admitem programas de “humor” que ridicularizam grupos socialmente
vulneráveis.
Diferente do que pensam os barões da
mídia, o povo quer e sabe como mudar tudo isso. 71% dos entrevistados
não titubearam: é preciso uma melhor regulamentação do rádio e da TV no
Brasil. Regras mais claras, limites estabelecidos e participação popular
são alguns dos caminhos apontados.
A pesquisa entrevistou 2400 famílias,
com pessoas de todas as idades, raças, gêneros, sexualidades e regiões
do país. Ouviu gente de 120 cidades, desde metrópoles até zonas rurais e
povoados de pequenos e médios municípios. Ou seja, uma pesquisa tão
séria e legítima quanto as divulgadas pela televisão brasileira.
Por isso, não faz mal perguntar: Por
que essa pesquisa, então, não foi notícia nos principais telejornais do
país? Continuam achando que somos bobos...
A nós, que não somos bobos, cabe
permanecer na luta. Afinal, como cantou o músico Wado: “grita pra
acontecer, urge de urgência. Sim, irá prevalecer a reforma agrária do ar...”.
*Paulo Victor Melo é jornalista, membro do
Conselho Diretor do Intervozes e mestrando em Comunicação e Sociedade na
Universidade Federal de Sergipe
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