O “auxílio-viagem” em aviões da FAB
Por que será que as autoridades federais,
habitualmente e em situações de normalidade, não podem pagar suas
viagens com o próprio salário, como fazem todos os trabalhadores?
Frei Marcos Sassatelli
O
descaramento na vida pública é tanto que - além do “auxílio-moradia”,
“auxílio-alimentação”, “auxílio-paletó”, “auxílio-doença”, auxílio-não
sei mais o quê, para os juízes e políticos - temos também um outro
auxílio, o “auxílio-viagem” em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB),
para a cúpula do Congresso Nacional e para os ministros. Que vergonha!
A
cúpula do Congresso Nacional fez 91 viagens nos primeiros seis meses
deste ano com aviões da FAB, uma média de um voo a cada dois dias.
O
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), solicitou 27 voos
desde que assumiu, em fevereiro, até junho. Além de Alagoas, seu reduto
político, foi ao Rio, São Paulo, Ceará e Bahia. O antecessor de Renan,
José Sarney (PMDB-AP), voou 18 vezes no mesmo período de 2012.
A
Presidência da Câmara solicitou 61 voos até junho - 47 pedidos pelo
presidente, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que teve Natal como um dos
principais destinos. Nove pedidos partiram do deputado André Vargas
(PT-PR), que substituiu Alves em ao menos três ocasiões. As outras cinco
viagens foram feitas em janeiro pelo então presidente da Casa, Marco
Maia (PT-RS), que voou 67 vezes de fevereiro a junho do ano passado”
(cf. Folha de S. Paulo, 15/07/13, p. A5)
O
ministro da Previdência, Garibaldi Alves Filho usou um avião da FAB para
voar de Fortaleza ao Rio, onde assistiu à final da Copa das
Confederações (cf. Ib., 12/07/13, p. A8).
O
ministro do Esporte, Aldo Rebelo usou um avião da FAB para ir a Cuba no
Carnaval com a mulher, o filho e assessores. Esteve em Havana em missão
oficial e justificou a carona à mulher e ao filho, dizendo que ambos
também foram convidados pelo governo cubano (cf. Ib., 24/07/13, p. A10).
Alguns,
dos que usaram os aviões da FAB, por causa da divulgação de suas
viagens na mídia e das manifestações de protesto do povo nas ruas,
devolveram aos cofres públicos ao menos parte do dinheiro gasto.
Infelizmente, para muitos de nossos políticos e governantes o que
importa não é ser éticos, mas parecer éticos e não perder a
popularidade.
Pela lei em vigor (decreto
presidencial 4244/02), as autoridades podem requisitar aviões da FAB -
que eu chamo de “auxílio-viagem” - por “motivo de segurança e emergência
médica, em viagem a serviço e deslocamento para o local de residência
permanente”.
Essa lei é totalmente injusta.
Precisa ser mudada. Trata-se de uma mordomia inconcebível e
desnecessária, que é uma afronta aos trabalhadores. Eticamente falando
(e não só legalmente falando) a requisição de aviões da FAB só se
justifica em situações muito especiais, como, por exemplo, em caso de
calamidade pública, onde é exigida, em caráter de urgência, a presença
de uma determinada autoridade federal e não há, em tempo hábil, um meio
de transporte ordinário. Em outros casos, as viagens podem até ser
legais, mas são certamente antiéticas..
Pior
ainda é quando o presidente do Senado, o presidente da Câmara Federal e
os ministros desrespeitam de forma acintosa a própria lei, abusando de
sua autoridade. Esquecem-se que devem estar a serviço do povo e não de
sua autopromoção e de seus interesses pessoais ou familiares, usando o
dinheiro público. É uma verdadeira falcatrua, que denota uma grande
irresponsabilidade política.
Por que será que as
autoridades federais, habitualmente e em situações de normalidade, não
podem pagar suas viagens com o próprio salário, como fazem todos os
trabalhadores? A questão da segurança é uma desculpa. Quem cuida da
segurança dos trabalhadores? Não dizem que temos um governo dos
trabalhadores? Que mentira!
Paulo VI, em 1971,
dizia: “a política é a forma mais sublime de praticar a caridade” (o
amor) e “uma maneira exigente de viver o compromisso cristão, ao serviço
dos outros” (Encíclica Octogesima Adveniens). Nestes dias, Francisco
retomou o mesmo ensinamento, afirmando: “a política é uma das formas
mais elevadas da caridade (do amor), visto que procura o bem comum”.
Como estamos longe desse ideal!
“Virá um dia em que todos, ao levantar a vista, veremos nesta terra reinar a liberdade”
“Louvemos
nosso Pai, Deus da libertação, que acaba com a injustiça, miséria e
opressão. Louvemos os irmãos que lutam com valia, fermentando a
história, virá o grande dia” (Canto). Essa é a nossa esperança!
Frei Marcos Sassatelli é frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP), Professor aposentado de Filosofia da UFG
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/14899
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