Fui... E agora?
Steve Ballmer, CEO da Microsoft, anuncia aposentadoria no momento em que a empresa passa por seu maior desafio. Que rumos a dona do Windows seguirá para voltar a brilhar no mercado da tecnologia?
Por João VARELLA
Assista à entrevista com o repórter João Varella
O maior entusiasta da Microsoft anunciou que deixará a empresa. Em um movimento que tomou o mercado de surpresa, o CEO da companhia, Steve Ballmer, informou, na sexta-feira 23, que vai se aposentar e passar o bastão adiante num prazo máximo de 12 meses. É o fim de uma trajetória que remonta aos primórdios da empresa. Ballmer foi o 30º funcionário contratado pelo fundador Bill Gates e por seu sócio Paul Allen, em 1980, cinco anos depois de a Microsoft ser criada. Ballmer e Gates ficaram amigos na universidade Harvard, apesar da clara diferença de estilo. Ao contrário de seu companheiro que virou um paradigma dos nerds, Ballmer sempre teve um jeito mais extrovertido, não raro com doses cavalares de exagero e exuberância. Isso foi usado em benefício da companhia.
Adeus, macaquices: apelidado de "Monkey Boy", Steve Ballmer teve gestão
marcada por seu estilo exageradamente extrovertido
Ballmer se dispôs, por exemplo, a ser o garoto-propaganda do Windows 1.0, lançado em 1985. Em uma peça de publicidade veiculada pela televisão na época, o calvo executivo jogava notas de dólares para o ar e aos berros listava as razões para se comprar o programa. O estilo lhe rendeu o apelido de “Monkey Boy”. Cenas infames das macaquices marcaram a trajetória de Ballmer, como uma apresentação a empregados da Microsoft em que, ao subir no palco, correu de um lado para o outro berrando tal um torcedor empolgado com seu time de futebol. Ao chegar ao púlpito, esbaforido, esclareceu a razão de seu entusiasmo: “Tenho quatro palavras para vocês: Eu amo esta companhia.” E arrematou com um sonoro “Yeaaaaahhhh”.
A empolgação de Ballmer, no entanto, não conseguiu impedir que a Microsoft fosse lenta e continuamente perdendo a chama da inovação, algo fatal para quem atua no mercado de tecnologia. Ao suceder Gates como CEO, em janeiro de 2000, ele recebeu o comando de uma empresa cujo valor de mercado atingia estonteantes US$ 600 bilhões, o equivalente a mais de US$ 800 bilhões em dinheiro de hoje, corrigidos pela inflação. A principal dor de cabeça na época era uma ação do Departamento de Justiça dos EUA, órgão antitruste americano, que queria dividir a empresa em razão de seu virtual monopólio no mundo da tecnologia, ainda dominado pelos computadores pessoais. A Microsoft parecia um monólito eterno e inquebrável.
A situação, contudo, mudou. O valor de mercado da empresa hoje é inferior a US$ 280 bilhões. Não que a empresa esteja em dificuldades financeiras. A Microsoft ainda é líder absoluta do mercado de softwares e muito, mas muito lucrativa. Em seu ano fiscal encerrado em junho deste ano, a última coluna do balanço registrou um ganho de US$ 26,7 bilhões. É um resultado invejável. O Google, por exemplo, lucrou pouco mais de US$ 10 bilhões no ano passado. A IBM, US$ 16,6 bilhões. Mesmo assim, Ballmer deixa a Microsoft em uma situação bem mais desfavorável do que quando assumiu o seu comando. O que aflige a criadora do Windows é sua perspectiva de médio e de longo prazo. A participação no mercado de smartphones e tablets, aparelhos que substituem gradativamente os computadores pessoais na casa e nos bolsos dos consumidores, é de menos de 5%.
De 2000 para cá, a tecnologia da informação mudou muito. A Microsoft, apesar de todas as tentativas de conquistar um quinhão na área de internet e da computação em nuvem, permaneceu essencialmente a mesma: altamente dependente do sistema operacional Windows e do pacote de aplicativos Office. É fácil perceber essa “Windows dependência”. De seu último lucro, mais de um terço, US$ 9,5 bilhões, veio do sistema operacional. Em 2011, o sistema contribuiu com US$ 12 bilhões para o resultado da Microsoft. “A empresa teve dificuldade em acompanhar as novas demandas dos consumidores, em parte por falta de visão, mas principalmente por não mudar sua cultura interna”, afirma Daryl Plummer, chefe de pesquisa da consultoria americana Gartner.
Negócios à parte: amigo íntimo de Ballmer, Bill Gates, que é presidente
do conselho da Microsoft, teria articulado a saída do CEO
Uma prova dessa miopia corporativa foi uma entrevista dada por Ballmer logo depois do lançamento do celular iPhone, da Apple. Ao ser questionado sobre o que achava do aparelho criado por Steve Jobs, ele soltou uma gargalhada, antes de responder. “Quinhentos dólares? É o telefone mais caro do mundo”, disse Ballmer. “Ele não tem apelo para os consumidores corporativos porque não conta com um teclado.” Como até o último estagiário da Microsoft está cansado de saber, o iPhone, cuja tela sensível ao toque se tornou padrão em todos os aparelhos, foi um divisor de águas no mercado de celulares. Além disso, seu sucesso levou a Apple ao posto de companhia mais valiosa de tecnologia no mundo, ultrapassando justamente a Microsoft, em 2010. Hoje, a dona do Windows está em terceiro lugar, atrás também do Google, que vale pouco mais de US$ 280 bilhões.
SUCESSORES Corrigir essa atitude autista e arrogante é apenas um dos vários desafios que o futuro CEO da empresa deverá enfrentar. A dúvida é saber quem será essa pessoa. Um dos nomes que imediatamente surgiram nos artigos de analistas de tecnologia logo depois do anúncio da aposentadoria de Ballmer foi o de Bill Gates (veja o quadro "OS COTADOS"). Até porque, ao que tudo indica, ele teria sido o principal responsável pela aposentadoria precoce de Ballmer. A amizade entre os dois aparentemente está rompida. Segundo o jornal de economia e negócios americano The Wall Street Journal, o conselho da empresa, presidido por Gates, teria pressionado Ballmer a pedir para sair.
Citando fontes internas da empresa, o diário diz que Ballmer, até então, trabalhava com o seu costumeiro entusiasmo. No entanto, poucos dias antes de divulgar sua saída carregava um semblante fechado. Uma pista de que a partida foi a contragosto está no memorando interno distribuído aos funcionários da Microsoft sobre o seu desligamento. “Minha ideia original era de que a aposentadoria acontecesse no meio da nossa transformação em uma empresa de equipamentos e serviços”, escreveu Ballmer. Dedicado à filantropia na Fundação Bill & Melinda Gates, o fundador da Microsoft, dono da segunda maior fortuna do planeta, não deu sinais até o momento de que vá voltar aos negócios, o que alimentou especulações sobre os possíveis candidatos a sentar na cadeira de Ballmer.
Seus nomes dizem muito sobre os desafios que a Microsoft tem pela frente. Um dos cotados é Stephan Elop, ex-executivo da empresa e atual CEO da fabricante de celulares Nokia. Apesar de Elop não ter conseguido recolocar a companhia finlandesa na liderança do mercado, o executivo conta com o conhecimento na área de mobilidade, elemento-chave para a Microsoft voltar à vanguarda tecnológica. “Mobilidade é para onde a tecnologia está indo e a Microsoft precisa ser relevante nesse mercado com urgência”, disse à DINHEIRO Norman Young, analista-sênior de ações da consultoria americana Morningstar. Para Young, a Microsoft está perdendo uma nova geração de usuários que está se acostumando com a simplicidade dos sistemas operacionais para celulares e tablets, como o iOS, da Apple, e o Android, do Google.
Se a intenção do conselho de administração for reforçar o Windows, o nome mais forte é o de Steve Sinofsky. Ele comandou a divisão de sistema operacional da empresa e é o “pai” do Windows 8, a atual versão do produto. Sinofsky saiu da Microsoft no final do ano passado de um forma controvertida. Apesar de oficialmente anunciada sua saída como uma decisão mútua, Sinofsky teria brigado com Ballmer e outros diretores da empresa por conta de sua personalidade forte. Até então, Sinofsky era visto como o sucessor natural de Ballmer. Outra prata da casa também tem seu nome listado entre as opções. É o caso de Satya Nadella, 44 anos, metade deles como funcionário da Microsoft.
Atualmente, Nadella é chefe da divisão de nuvem e empresas. Ele seria a pessoa certa para lidar com a transição da venda de software em caixinhas para uma empresa mais voltada à prestação de serviços aos usuários. O grande diferencial entre esses dois modelos é que os clientes passam a ter acesso à tecnologia de qualquer lugar em qualquer aparelho, seja um celular, seja um tablet ou um PC. A computação em nuvem é chave para realizar esse acesso múltiplo. Para Bruno Freitas, gerente de pesquisa da consultoria americana IDC no Brasil, a nuvem é um dos quatro componentes aos quais todas as empresas de tecnologia deverão estar obrigatoriamente atentas para acompanhar o crescimento.
Os outros três são big data (grande armazenamento de dados e alta velocidade de análise), redes sociais e mobilidade. “É uma mudança no cenário parecida com a dos anos 1980, quando as mainframes deram lugar ao computador pessoal”, diz Freitas. “É um momento de renovação do mercado.” Nessa transição citada pelo analista, há uma história similar à da Microsoft. Na era pré-PC, a grande líder da informática era a IBM. Contudo, com o advento dos computadores pessoais, a empresa moldada pelo legendário Thomas Watson não conseguiu acompanhar a evolução do mercado consumidor, ficou andando de lado durante muito tempo e só se recuperou ao voltar-se para a área de serviços, B2B e desenvolvimento de patentes.
A “Big Blue” se mantém como uma empresa saudável financeiramente, faturando mais de US$ 100 bilhões por ano, embora esteja longe de ter a relevância de outrora. Esse seria o caminho da Microsoft? Analistas independentes são unânimes em afirmar que o caminho a ser trilhado pelo próximo presidente da Microsoft será diferente. “A companhia se transformará em uma provedora de serviços, mas não com a estratégia ampla da IBM”, afirma Plummer, da Gartner. “Em vez disso, será mais focada em serviços de nuvem que a ajudem a construir um ecossistema próprio, sem deixar de oferecer softwares a outros ecossistemas.” Nessa transição, a Microsoft terá de mudar outro tradicional costume: o privilégio total ao Windows nos produtos da Microsoft. O pacote de automação de escritório Office, por exemplo, não oferece uma versão para iPad ou tablets equipados com o Android.
Seria incorreto e injusto afirmar que a Microsoft apenas colecionou fracassos durante a gestão de Ballmer. O Windows XP, lançado em 2001, é um dos maiores sucessos da história da companhia. O console de videogame Xbox foi também uma aposta certeira de sua gestão. Na área da inovação, a companhia desenvolveu o Kinect, sensor de movimento que transforma o corpo humano em joystick. Hoje, essa tecnologia é copiada por diversas empresas e empregada em celulares e televisores. Seu buscador Bing, em conjunto com o Yahoo!, é dono de uma fatia de 30% do mercado americano. Mas Ballmer, que pagou US$ 8 bilhões pelo sistema de transmissão de voz e vídeo Skype, no ano passado, colecionou fracassos memoráveis, em especial na área de consumo. O Zune, tocador musical para concorrer com o iPod, não vingou.
O celular Kin, lançado em 2010, saiu de linha dois meses após chegar às prateleiras. Na área de negócios, fez uma fracassada tentativa de comprar o Yahoo!, pelo qual se dispunha a pagar US$ 44 bilhões, às vésperas da crise de 2008. Felizmente para a Microsoft , e infelizmente para Jerry Yang, fundador do Yahoo!, este não aceitou o negócio. Por essas e muitas outras, Ballmer sempre teve Bill Gates à sua sombra. “O fato é que o novo CEO nunca terá a visão do fundador, não importa o quanto ele se esforce”, disse certa vez, quando questionado pelo fato de não ter o perfil visionário de Gates. E arrematou. “Não vou fingir que sou um visionário.” Ballmer foi o mais entusiasta vendedor da Microsoft. Caso sua falta de visão não seja superada pelo sucessor, pode custar caro à Microsoft.
Quer inovar? Chame um brasileiro
O Windows fez do botão F1 do teclado o tradicional comando para acionar a ajuda dos programas. Se o novo CEO da Microsoft precisar de um “help” para trazer de volta o espírito criativo à empresa, talvez tenha de aprender a falar um pouco de português, dado o número de brasileiros ligados a áreas de inovação da companhia fundada por Bill Gates. Esse é o caso do Kinect, sensor de movimento lançado em 2010, que permite jogar videogame sem controle. Ele foi criado pelo curitibano Alex Kipman, 31 anos, e é o acessório tecnológico vendido com mais rapidez da história.
Foram oito milhões de unidades em apenas 60 dias. A Microsoft explora a possibilidade de veicular a tecnologia em outras áreas, como no controle de equipamentos cirúrgicos e até em terapias para crianças autistas. O acessório ganhará uma nova versão com o Xbox One, novo videogame da Microsoft, cujo lançamento está previsto para o fim do ano. A tecnologia do Kinect começou a ser gerada no Microsoft Research, outra área da dona do Windows cujo pesquisador-chefe é brasileiro. O engenheiro Henrique Malvar, 55 anos, com mais de 100 patentes no currículo, comanda uma equipe de 1,3 mil pesquisadores e 14 centros de pesquisa.
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