Até onde vai a Polícia Militar de Cabral?
Ações e declarações recentes da PM-RJ parecem ser
reflexo de uma política de "vale tudo contra o vandalismo" do governador
Policiais militares se protegem de
bomba incendiária jogada por um manifestante nas cercanias do Palácio
Guanabara, na segunda-feira 22. O fotógrafo responsável por esta foto
foi posteriormente agredido por um policial
A ânsia de Sergio Cabral (PMDB) de fazer seu
sucessor no governo do Estado e contemplar aquela parte da população que
aplaude o Bope quando este metralha traficantes no Complexo do Alemão
está levando o Rio de Janeiro para um caminho perigoso. Atos e
declarações recentes de Cabral têm revelado uma faceta despótica do
governador e, aparentemente, servido como licença para a Polícia Militar
expandir para os bairros mais ricos da capital fluminense o
autoritarismo que emprega nas favelas.
Após o quebra-quebra da semana passada no Leblon, o metro quadrado
mais caro do Brasil, Cabral diagnosticou o problema do vandalismo no Rio
de Janeiro como fazem os ditadores árabes – colocando a culpa em
“organizações internacionais”. Como ocorre no Oriente Médio, atribuir a
violência ao estrangeiro não é um simples erro de diagnóstico. É um
artifício para isentar seu próprio governo de qualquer responsabilidade
pelo que está ocorrendo.
No mesmo discurso, feito na sexta-feira passada, Cabral prometeu uma
“resposta à sociedade”. A resposta viria por meio da Comissão Especial
de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas. A
chamada CEIV foi criada em 19 de julho, por meio do decreto 44.302,
publicado no Diário Oficial do Estado na segunda-feira 22. O texto que cria a comissão (confira a íntegra do decreto, em PDF) tem contornos autoritários alarmantes.
No artigo 3º, Cabral determina que todas “solicitações e
determinações da CEIV” têm “prioridade absoluta” sobre qualquer outro
pedido encaminhado a órgãos públicos e privados. Em parágrafo único,
Cabral obriga empresas de telefonia e provedores de internet a atender
os pedidos da CEIV em um “prazo máximo de 24 horas”. Não fica claro se
questões como a segurança do papa Francisco ou um problema em um
hospital, por exemplo, serão deixados de lado em detrimento do combate
ao vandalismo, ou se as empresas de telefonia/internet têm direito de
recorrer das determinações da CEIV.
Mais preocupante é o artigo 2º da criação da comissão. Segundo o
decreto, a CEIV pode “tomar todas as providências necessárias à
realização da investigação da prática de atos de vandalismo, podendo
requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos
necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de
punição de atos ilícitos praticados no âmbito de manifestações
públicas”. Este texto, como lembrou Bernardo Santoro no blog Instituto Liberal,
abre margem para qualquer coisa, por não esclarecer quais são “todas as
providências necessárias”. Pode a CEIV decretar prisões, fazer grampos
ilegais e torturar os suspeitos, por exemplo?
Na melhor das hipóteses, o texto é um desastre provocado pela pressa e
pela falta de conhecimento de quem o escreveu. Na pior, é reflexo de um
clima, insuflado pelo governo do Rio, de “vale tudo contra o
vandalismo”.
Reflexos deste clima têm sido observados. Na sexta-feira, o jornal O Globo
publicou uma entrevista com o sociólogo Paulo Baía, na qual ele
comentou o quebra-quebra no Leblon. “A polícia viu o crime acontecendo e
não agiu. O recado da polícia foi o seguinte: agora eu vou dar porrada
em todo mundo”, disse Baía. Na própria sexta-feira, o sociólogo sofreu um sequestro relâmpago no
Aterro do Flamengo. “No carro, me deram o recado e não falaram mais
nada. Disseram para eu não dar mais nenhuma entrevista como a de hoje no
Globo e para que eu não falasse mais nada da PM, porque, se eu falasse,
seria a última entrevista que eu daria na vida”, disse Baía.
Na noite de segunda-feira 22, nos protestos após o início da visita
do papa Francisco, a arbitrariedade foi vista novamente. Yasuyoshi
Chiba, fotógrafo japonês da agência de notícias AFP, foi agredido
por policial enquanto fazia imagens do protesto. Dois integrantes do
grupo Mídia Ninja, que ficou famoso em junho por fazer coberturas ao
vivo das manifestações, foram detidos. Por meio de seu perfil oficial no
Twitter, a PM do Rio afirmou que “foram presos por incitar a violência dois manifestantes que transmitiam ao vivo as manifestações”. Em depoimento publicado no Facebook, um deles, Filipe Peçanha, disse ter sido agredido
e detido simplesmente por fazer seu trabalho. Os dois foram soltos logo
em seguida, graças à rápida ação de integrantes da OAB-RJ, que estavam
nas manifestações justamente para conter a arbitrariedade da PM.
Também por meio de sua conta no Twitter, cujo tom se assemelha ao de uma pessoa raivosa, a PM acusou a OAB-RJ
de “prejudicar” seu trabalho nas manifestações. É tragicômico que uma
instituição de segurança pública enxergue o trabalho de advogados como
prejudicial, mas não é estranho em se tratando da PM. Duas horas depois
de criticar a OAB, a PM-RJ, também pelo Twitter, afirmou que “democracia
e liberdade de expressão não estão no lado de quem tenta crackear ou
posta dados pessoais de agentes da Lei”. Ocorre que, ao contrário do que
diz a PM,
até mesmo quem viola a lei tem certas proteções garantidas numa
democracia. Este é justamente um dos fatores que diferencia a democracia
do autoritarismo.
Imagens e relatos de segunda-feira dão conta de que alguns poucos
manifestantes, com pedras e bombas incendiárias, deram início à
violência. É difícil verificar tal acusação, mas não seria exatamente
uma novidade, pois episódios semelhantes ocorreram com certa frequência
não apenas no Rio de Janeiro, mas em outras cidades brasileiras nas
manifestações de junho. O que a Polícia Militar não consegue entender,
no entanto, é que dela se espera uma ação com parcimônia, ainda que seja
extremamente difícil identificar elementos criminosos dentro de uma
multidão. Culpar por associação deveria ser a última alternativa adotada
por uma instituição repleta de trabalhadores honestos que convivem
diariamente com criminosos, responsáveis por delitos muito mais graves
que vandalismo, como assassinatos (desde os “ocorridos em combate”, como
na Favela da Maré, até o da juíza Patrícia Acioli).
Como se sabe, autoritarismo e arbitrariedade não são características
exclusivas da PM do Rio de Janeiro. São a praxe de uma instituição
arcaica, responsável por atrocidades Brasil afora e que só continua
existindo por conta de uma combinação nefasta entre a covardia dos
governantes e o apoio de parte da população que não é afetada pela
violência policial. A novidade no caso do Rio de Janeiro é que, por meio
da CEIV, Cabral decidiu institucionalizar a arbitrariedade da PM como
prática de segurança pública.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br
Tropeçando na própria incompetência, Sérgio Cabral vem, ao longo de sua carreira política, acumulando derrotas que muitas vezes passam despercebidas. No quesito malandragem não resta dúvida de que Cabral é um dos mais espertos. Porém, em se tratando de estratégias que não sejam imediatistas, o sujeito comete erros políticos primários, principalmente por conta de sua prepotência. Nos faz lembrar o caso do ‘insuperável’ transatlântico inglês, com a qual ‘nem Deus podia’ segundo seus próprios construtores navais. E que se transformou no maior naufrágio da história. No Rio de Janeiro está acontecendo algo parecido com o caso do luxuoso transatlântico. Navegando com a soberba de construtor naval inglês, o Titanic do governador já tem dia e hora marcados para afundar.
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