Mais de 90 mil pessoas voltam às ruas de Belo Horizonte
Um jovem morreu após cair de um viaduto. Um dia antes, a coordenação
do ato havia pedido que o local fosse gradeado, mas o governador não
atendeu à reivindicação
27/06/2013
Dia
de semi-final da Copa das Confederações, Brasil e Uruguai. Mesmo com um
jogo tão importante desses – ou talvez por causa disso – mais de 90 mil
pessoas saíram novamente às ruas em Belo Horizonte (MG), nessa
quarta-feira (26), no 5º ato convocado pelo Comitê Popular dos Atingidos
pela Copa (Copac).
Na noite de terça-feira (25),
foi realizada uma reunião com o governo do estado, em que se acordou
que a Polícia Militar atuaria de modo a garantir a segurança dos
manifestantes. No 4º ato, realizado no sábado (22), foram usadas bombas
de gás e balas de borracha, e quatro pessoas chegaram a cair de um
viaduto.
Bruno Cardoso, representante da Comissão
Pastoral da Terra (CPT) no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos
Humanos (CONEDH), foi designado pelo Conselho para participar da
Comissão de Prevenção à Violência em Manifestações Populares. De acordo
com ele, o comandante da PM garantiu a segurança para o ato desta quarta
de modo leviano, pois acabou acontecendo o que se previa que poderia
acontecer. Bruno relata que duas pessoas caíram de um viaduto durante a
dispersão provocada pela PM. Na madrugada de quinta-feira (27), o
metalúrgico Douglas Henrique de Oliveira de Souza, de 21 anos, morreu
após várias cirurgias. Douglas caiu de uma altura de 6m, devido a um vão
no viaduto José Alencar. Durante a reunião, foi solicitado que o local
fosse gradeado, mas o governador não atendeu à reivindicação.
Além
disso, uma pessoa levou um tiro de bala de borracha no olho, e está com
o globo ocular estourado. Outra pessoa foi ferida por estilhaços de
bala.
“Falei com o governador ontem à noite por
telefone, pedindo o cancelamento do jogo, mas ele alegou que 70 mil
ingressos já haviam sido vendidos. A violência era algo que estava pra
acontecer, e infelizmente aconteceu”, relata. Bruno afirma que a polícia
cumpriu parte do acordo, pois não havia destacamento ofensivo nas ruas,
mas que, perto do final do protesto, próximo ao cruzamento com a
avenida Abrahão Caram – que leva ao estádio do Mineirão – foram
utilizadas bombas para dispersão dos manifestantes. No entanto, Bruno
alega que alguns manifestantes furaram o bloqueio acordado, e a polícia
respondeu com violência.
“Hoje é sem conflito”
Amanda
Couto, integrante do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (Copac),
concorda que houve manutenção do acordo em partes, pois a polícia só fez
barreira no perímetro combinado. Ela relata que chegou a ser feito um
cordão humano pelos próprios manifestantes, tentando barrar a entrada na
avenida que levava ao Mineirão.
| Cordão feito pelos manifestantes para impedir a entrada na avenida que leva ao Mineirão - Foto: Mídia Ninja |
Aos
gritos de “hoje é sem conflito”, dezenas de pessoas deram os braços e
tentaram impedir a subida, incentivando que os manifestantes seguissem
na avenida Antônio Carlos. Grande parte deles seguiu a marcha, mas uma
parte furou o bloqueio. “Aí a ação da polícia voltou a ser desmedida,
pois mesmo depois, quando não havia mais confusão, continuaram soltando
bombas de gás e balas de borracha”, diz. A confusão seguiu na Antônio
Carlos e há relatos de que seguiram até o centro da cidade, adentrando
até a noite.
Enquanto algumas pessoas partiram
para ações de enfrentamento – vidros de concessionárias de carros foram
quebrados e foi ateado fogo em parte da rua e em alguns comércios –
grande parte da marcha seguiu o rumo pacífico, chegou até a lagoa da
Pampulha e retornou à Antônio Carlos, mais à frente. “Novamente o Estado
colocou seu efetivo para proteger o território da Fifa, em detrimento
da população”, denuncia Amanda.
Assembleias populares
Uma
característica das mobilizações de Belo Horizonte tem sido a realização
de assembleias populares horizontais, onde se discutem os atos e as
pautas de reivindicação. A última foi realizada no domingo (23), embaixo
do viaduto Santa Tereza, e decidiu por 10 eixos de pautas – transporte,
Fifa e grandes eventos, saúde, educação, moradia, polícia, reforma
política e direitos humanos, democratização da mídia e meio ambiente.
Esses
temas serão discutidos em grupos de trabalho e novamente debatidos na
próxima assembleia popular, que será realizada na quinta-feira (27), às
19h, novamente embaixo do viaduto.
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| Mais de 90 mil pessoas participaram do ato dessa quarta-feira (26) - Foto: Flávia Mafra |
Amanda
relata que um dos maiores ganhos políticos da reunião realizada com o
governo Anastasia na noite de terça-feira (25) foi a abertura de uma
mesa permanente de negociação para recebimento das pautas levantadas. Na
semana que vem, nova reunião deve acontecer, e as pautas organizadas na
quinta-feira serão levadas. “Uma negociação foi aberta. Esperamos o
mesmo com o governo municipal e também do federal”, destaca Amanda.
MST, MAB e grevistas se somam ao movimento
Desde
as 11 horas de quarta-feira, a Praça Sete, no centro da capital
mineira, foi tomada por cartazes e protestos. Desta vez, a marcha foi
engrossada também com a presença de cerca de 700 militantes do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB). Centenas de trabalhadores em greve – professores,
funcionários da saúde e eletricitários – e sindicalistas da CUT/MG, da
CTB e da Conlutas também estiveram presentes.
“Acho
que a manifestação de hoje mostra que nós, a esquerda organizada, não
temos monopólio da manifestação social. Mas mostra também que podemos
ser protagonistas. Nossas palavras de ordem, nossas bandeiras, não são
coisas antigas, mas muito inovadoras, pois colocam a necessidade de
transformação da sociedade. Para isso, precisamos de mudanças
estruturais mesmo”, avalia Enio Bohnenberg, da direção estadual do MST.
Cerca
de 500 pessoas do MST continuam esta semana acampadas no Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cobrando a suspensão
de 19 ordens de despejo programadas contra famílias acampadas. “Vamos
ficar aqui até resolver o problema e negociar isso”, destaca Enio.
Ao
contrário de outras mobilizações, os movimentos sociais e partidos
políticos de esquerda presentes no ato não foram hostilizados, apesar de
que, aqui e ali, se podia ouvir alguns gritos de “sem partido”.
Mas
eram muito mais altos os gritos por investimentos em saúde e educação,
pela redução do preço da passagem e pelo passe livre, contra o
conservadorismo de Marco Feliciano e o retrocesso nos direitos humanos,
críticas aos governos estadual e municipal e contra o monopólio da
mídia.
“É excelente que os movimentos e
sindicatos que historicamente fizeram essa luta estejam aqui. São grupos
com história, que estão na rua há muitos anos”, destaca Amanda Couto,
do Copac. “Para esses grupos, isso não é nada novo. Pelo acúmulo que
têm, eles podem ajudar muito no sentido organizativo, além de pautarem
suas demandas”, completa.
Bruno Abreu Gomes,
médico e diretor do Sindicato dos Servidores Públicos de Belo Horizonte
(Sindibel), avalia que a presença organizada de diversos setores da
classe trabalhadora foi um ganho da mobilização desta quarta. “Foi uma
manifestação massiva, bonita, em que o grande tom foi a luta pelas
bandeiras democráticas e populares, por direitos. Infelizmente, devido à
postura da Polícia e apesar da solicitação feita, alguns confrontos
aconteceram. Mas a avaliação geral é positiva, e o povo quer ir pra ruas
negociar seus direitos”, acredita.
Renan Santos,
do Levante Popular da Juventude, concorda que, apesar de algumas
confusões, o ato de hoje foi um ato de esquerda. “Estava um pouco mais
vazio – a mídia e a PM contribuíram para isso – mas mesmo assim a
esquerda estava mais organizada e tentamos, inclusive, evitar o
confronto”, avalia.
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