A revolta do gás lacrimogêneo (em sete capítulos)
As semanas que mudariam a história da política brasileira começaram com um protesto desinteressante. Os outros atos se sucederam com novidades: jovens dispostos a resistir à PM, arregimentados em redes sociais, lidando com o despreparo das autoridades
22 de junho de 2013
Bruno Paes Manso e Diego Zanchetta - O Estado de S. Paulo
1º PROTESTO (quinta-feira, dia 6): Eram só
cerca de 150 meninos do Movimento Passe Livre (MPL) e estudantes ligados
ao PSOL e PSTU em frente à Prefeitura. Eles já haviam feito
manifestações semelhantes em outros anos. Sem novidades.
Eles estavam na calçada, não atrapalhavam o trânsito e cantavam,
em uníssono: "mãos para o alto, 3,20 é um assalto". Nada indicava que
haveria surpresas. A manifestação deveria virar uma nota no jornal do
dia seguinte.
Mas a PM decidiu agir. Por excesso de zelo - talvez um erro histórico
-, passou a lançar bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral contra
os jovens. Os manifestantes fugiram e foram seguidos até o Vale do
Anhangabaú, entre a neblina do gás tóxico.
Começaria a ousada tática dos manifestantes de reagir via barricadas e
interrupção do trânsito na hora do rush. Primeiro foram as Avenidas 23
de Maio e 9 de Julho. Depois, eles correram para a Avenida Paulista e se
sentaram em frente ao Masp. A Tropa de Choque entrou em ação. Mesmo sem
que houvesse tempo para perceber, algo novo e histórico estava
acontecendo.
2º PROTESTO (sexta-feira, dia 7): No dia seguinte,
os holofotes da imprensa já haviam se voltado para os jovens do MPL e
dos partidos de esquerda. Eles se concentrariam no Largo da Batata - 5
mil pessoas compareceram ao ato. A combinação do grupo com a PM era
encerrar na Avenida Eusébio Matoso, mas os jovens se dirigiram à
Marginal do Pinheiros e interromperam o trânsito no rush antes do
feriado. Em piada infeliz, um promotor pediu à PM que atirasse nos
manifestantes.
A Tropa de Choque veio novamente com bombas de gás para liberar a
pista. O comandante do Choque, coronel César Morelli, era o mesmo que
havia abusado das bombas de gás um ano antes, no Pinheirinho, em São
José dos Campos. A neblina tóxica não assustou os jovens, que passaram a
correr da PM, a se concentrar em novos pontos e a interromper novas
vias com barricadas. A ousadia do grupo causou perplexidade. A PM estava
perdida.
3º PROTESTO (terça-feira, dia 11): A terça-feira da
semana seguinte seria o dia da demonstração de força na Avenida
Paulista. As redes sociais começavam a mostrar seu potencial. No
terceiro protesto, os jovens e adolescentes que não tivessem em sua
timeline do Facebook uma foto na passeata estariam cometendo suicídio
social. Seriam os fracassados da escola. Doze mil pessoas compareceram.
A passeata começou de forma festiva na Consolação e não dispersou
mesmo com o temporal. A PM acompanhava o cortejo de perto, sem provocar
problemas. A situação só mudou de figura quando o grupo chegou ao
terminal de ônibus D. Pedro II. Os manifestantes quiseram entrar, mas
foram impedidos pela Tropa de Choque. Houve tentativa de negociação, mas
novamente as bombas de gás foram o argumento usado pela PM para botar
os jovens para correr.
Na subida da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, outra novidade
surgiria. Jovens com afinidades anarquistas, boa parte deles pertencente
a grupos de pichação que praticam cotidianamente a desobediência civil,
os chamados Black Blocks, a "tropa de choque" dos protestos, subiram em
direção à Paulista, quebrando agências bancárias, ônibus e pichando
prédios públicos. O despreparo da PM se revelou novamente. Soldados
quase foram linchados, em fotos que repercutiram nos jornais. Havia um
clima de basta no ar. E os manifestantes persistiriam.
4º PROTESTO (quinta-feira, dia 13): O quarto dia de
protestos deve ser apontado como o capítulo decisivo da novela. A
população já parecia cansada de ser atrapalhada e havia no ar um clima
de apoio a ações mais enérgicas da PM. Os policiais foram para as ruas
dispostos a manter a Avenida Paulista livre. Cerca de 5 mil pessoas
compareceram. PMs e estudantes combinaram que o ato se dispersaria na
Praça Roosevelt.
Só que, na Consolação com a Rua Maria Antônia, a passeata insistiu em
seguir em direção à Paulista. Cerca de mil policiais estavam preparados
para impedir. As bombas começaram a ser lançadas. Na pista da
Consolação sentido centro, carros parados foram bombardeados, juntamente
com os manifestantes. Bombas e balas de borracha foram disparadas sem
constrangimento. Policiais atiravam mesmo quando eram flagrados pelas
câmeras de jornais e televisão. Jornalistas ficaram feridos, além de
mais de cem manifestantes. A covardia e os excessos policiais, mostrados
insistentemente na internet e nas TVs, viraram o jogo. Os jovens do MPL
começavam a conquistar, junto com sua geração, um lugar na história.
5º PROTESTO (segunda-feira, dia 17): Quarenta e
cinco anos depois, São Paulo parecia reviver ares dos protestos de 1968
na quinta passeata. Perto de 100 mil pessoas foram às ruas, partindo do
Largo da Batata rumo à Faria Lima. O Facebook havia se tornado
praticamente monotemático. A incapacidade da PM para lidar com a
novidade política que surgia havia sido escancarada pelos jovens. O
secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, sentiu o peso da
opinião pública e determinou que os policiais do Choque só agiriam se
fosse extremamente necessário.
Ondas de manifestantes se dividiram por três caminhos. Um grupo foi
para a Ponte Estaiada, outro para a Paulista e um terceiro, mais
radical, foi atacar o Palácio dos Bandeirantes. Depois de tanta
desconfiança nos políticos, os jovens bem articulados do MPL tornavam-se
a mais agradável surpresa do cenário recente.
Não se reclamava mais do trânsito nem dos protestos. A imprensa havia
abraçado a causa. O comentarista Arnaldo Jabor, depois de criticar o
movimento no início dos protestos, se desculpou e admitiu o erro. O
Brasil parecia mudado, como se uma ficha gigante houvesse caído em algum
momento.
6º PROTESTO (terça-feira, dia 18): Apesar do sucesso
de público das passeatas, os políticos se mantinham irredutíveis até o
sexto manifesto e não reduziam a tarifa. Foi quando os anarquistas dos
Black Blocks decidiram entrar em ação. Quando todos esperavam mais uma
passeata tranquila, com 30 mil pessoas, São Paulo viveu três horas de
caos na mão de 300 jovens. O prédio da Prefeitura, o Teatro Municipal e o
monumento da Praça do Patriarca foram pichados; 20 lojas, destruídas e
saqueadas. A PM não agiu. Manifestantes foram para a frente da casa do
prefeito Fernando Haddad. A violência assustou os políticos, que
pareciam ter perdido o controle da situação. E, estavam, de fato.
7º PROTESTO (quinta-feira, dia 20): A estratégia da
violência deu resultados. Prefeito e governador revogaram os aumentos.
Na sétima passeata, 100 mil pessoas foram à Avenida Paulista com
demandas diversas. As ruas haviam mostrado sua força. O PT, percebendo
os riscos políticos de ter sido colocado ao lado dos antigos opositores,
tentou se mostrar como aliado do movimento. Militantes corajosos deram a
cara à tapa na passeata. E acabaram sendo agredidos por parte da
população. Os protestos e seus métodos haviam se espalhado pelas outras
capitais. Barricadas e depredações viraram uma forma de pressão. O
Brasil, mesmo sem saber para onde segue, pode nunca mais ser o mesmo.
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